MULHERES DA REFORMA

IDENTIDADE DESDE A PERSPECTIVA 
DA MULHER LUTERANA

MULHERES NO TEMPO DA REFORMA*[i]
Nas comemorações dos 500 anos da Reforma, “o foco da memória muitas vezes está intimamente ligada aos principais nomes da época da Reforma. Nomes como Martin Luther, Philip Melanchthon, , Johannes Calvin e HuldrychZwingli  são apresentados. Mulheres enriqueceram, com suas ideias e ações, de formas bem diversas, a continuidade da Reforma. Sua influência muitas vezes é pouco conhecida, ou foi um pouco banalizada ao longo dos relatos históricos tradicionais.
A Rede de Mulheres da Federação Luterana Mundial (Mulheres na Igreja e Sociedade / WICAS) assumiu a tarefa de dar visibilidade mundial à identidade de mulheres que foram atuantes na Reforma. A identidade própria também integra muitas vezes a história de seu país, sua confissão religiosa e o contexto familiar e social.
Na conferência de WICAS Europa Ocidental de outubro de 2012, em Wittenberg, participantes da Itália, Holanda, Áustria e Alemanha decidiram, a título de exemplo, publicar, em uma série de cartões postais, biografias de mulheres que influenciaram a Reforma.
Duquesas, simples serviçais, esposas de pastores, viúvas, mulheres com muitos filhos, mulheres sem prole, empenharam-se intensivamente pela Reforma. Sujeitaram-se a zombarias, conflitos; muitas vezes assumiram grandes desvantagens pessoais e familiares; em alguns países foram exiladas, arriscaram sua saúde e não vacilaram ao serem encarceradas por conta de suas ações reformatórias. De modo algum se limitaram apenas a cozinhar e escutar.

Os curtos textos dos cartões postais têm o objetivo de atiçar a curiosidade. O ocupar-se com esta época oferece impulsos para a participação ativa de mulheres na moldagem de religião e sociedade.”

Proposta de ação:Com vistas ao jubileu da Reforma, distribuir e estudar os cartões postais nos grupos comunitários como forma de despertar a curiosidade e expandir os conhecimentos sobre a atuação de mulheres na época da Reforma. Aprofundar estudo e reflexão do tema a partir do material disponibilizado no Portal Luteranos:






(tradução de Magret A. Reus)

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Mulheres da Reforma

Lançamento dos Cartões
Preparando o ambiente...
Recomenda-se que os cartões postais não sejam simplesmente entregues durante o culto ou outra atividade na comunidade. Organize uma ação em uma data (em outubro, no mês da Reforma, seria uma boa oportunidade) e um local especiais (no salão comunitário, na escola, etc) para fazer o lançamento.

A ideia é recuperar espaços, normalmente considerados “lugares de mulheres”, como espaços de “fazer teologia”. Lembre-se de que Catarina e Lutero conversavam e ensinavam na sala de jantar da sua casa. Por isso, organize o ambiente de forma que se sinta no ar o cheiro de pão ou bolo saindo do forno, ou de doce sendo preparado na cozinha...  

Prepare, juntamente com o grupo de mulheres (OASE ou FRML) um delicioso café para ser oferecido. Decida o cardápio com as mulheres ou o Presbitério o que será oferecido.
Decida se vai entregar a cada pessoa um cartão ou o conjunto com os seis deles (a sugestão é que seja entregue o conjunto).

Prepare a quantidade de conjuntos segundo as pessoas que participarão. Recomenda-se ter uma quantidade de conjuntos adicionais (melhor é que sobre do que falte).

Se possível, faça um cartão de convite para enviar. O convite pode ser estendido além das Comunidades Luteranas, a Reforma é cidadã do mundo, aproveite!

Certifique-se de que você dispõe de todos os utencílios de cozinha necessários (toalhas de mesa, potes, pratos, colheres, xícaras, etc.).

Solicite a seis mulheres para que asumam a apresentação de cada uma das mulheres que estão nos cartões. Peça para que a apresentação seja feita com propiedade, com segurança, de preferencia, que o texto, a curta biografia, seja decorado. Uma sugestão é que as mulheres assumam as identidades das mulheres da Reforma. Falem como se fossem essas mulheres. Sejam criativas!!!!

O dia do evento
Garanta que a sua equipe de logistica esteja no local com antecipação. Tudo deve estar perfeitamente preparado. Mesas, decoração e tudo necessario.

Receba as pessoas como se as recebesse em sua casa.

Faça uma breve meditação.
Um dos objetivos é dar visibilidade às mulheres. De forma breve, relate como as mulheres sempre estiveram presentes na história. Mencione algumas mulheres da Bíblia; a primeira aviadora, a primeira médica, a primeira mulher no Ministério com Ordenação. Aquilo que você considera relevante para o grupopúblico com o qual está trabalhando.

Apresente três das seis mulheres da Reforma.

Intercale a apresentação com um canto

Apresente as outras três mulheres da Reforma.

Sirva o café.

Entregue os cartões

Agradeça a presença de cada uma das pessoas

Encerre com uma oração final. 

Mais informação e material sobre a participação de mulheres na Reforma você encontra em:



Proposta elaborada por Elizabeth Arciniegas de Lara – Colômbia


Rede de Mulheres e Justiça de Gênero das Igrejas Luteranas da América Latina e Caribe membro da FLM.



BAIXE AQUI OS CARTÕES POSTAIS DAS MULHERES DA REFORMA:
https://www.dropbox.com/sh/3ymcsjlj8rnecz8/AABmvfSHEEDGuLaGNzvh0F13a?dl=0

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O MOVIMENTO DA REFORMA 

E A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES




Quando Martim Lutero escreveu, no século XVI, que “os homens não devem excluir ninguém da comunhão com a Igreja”, ou quando bradou “que a restauração do evangelho incluía a restauração dos direitos do povo”, estava mexendo definitivamente com o centro nefrálgico do sistema religioso da época. Apesar do mundo misógino ao extremo em que ocorreu a Reforma, mulheres falaram, escreveram, protestaram e se posicionaram. É importante rememorar os movimentos dentro do Movimento da Reforma, que foi para além do âmbito religioso – para dentro do social, o político, cultural e econômico.
Katarina von Bora, mais conhecida por ter sido a esposa do reformador,  chegou a organizar uma pensão para estudantes, estudiosos e para quem estivesse de passagem, cultivava um pomar, tinha um tanque de peixes e mantinha uma cervejaria doméstica, para sustentar a família. Era uma legítima pequena empresária, uma mulher empreendedora. Como havia tido uma boa formação acadêmica enquanto esteve no mosteiro, participou ativamente das traduções da Bíblia. Ela levava as crianças para os quartos e se juntava a Lutero, Felipe Melanchton e os outros que se reuniam ao redor da mesa para as traduções. Como Lutero queria uma tradução que fosse acessível a todos e todas, ela era a chave porque circulava pelos mercados e ouvia a língua do povo. Katharina Von Bora, sem dúvida ajudou a traçar os caminhos da Reforma, mas se tornou mais conhecida como a Käthe de Lutero.
Outra Katharina teve um importante papel no movimento da Reforma. Katharina Zell foi esposa de Matheus Zell, o primeiro pastor protestante da Catedral de Münster. Fazia o que conhecemos hoje como trabalho diaconal: prestou serviços de acolhida a flagelados, exercendo o ministério da visitação, intercedeu por melhorias hospitalares e em 1525 , chegou a acolher em sua casa pessoas refugiadas da Guerra dos Camponeses e envolveu a comunidade através  de coletas de mantimentos. Sempre posicionando-se frente às controvérsias da reforma. Mesmo sem ser ordenada pregou na Catedral de Münster e, em 1548, no velório do seu esposo. Sendo viúva iniciou uma nova fase, passou a visitar comunidades e manteve contato com estudiosos. Em 1558, escreveu vários textos entre eles a belíssima “Meditação sobre o Pai Nosso”.  

“Nosso Pai, que habita no céu.”
Ele não é chamado de Senhor ou Juiz, mas Pai. E desde que Ele nos enviou seu filho e nós nascemos de novo, nós devemos chamá-lo de avô também. Ele deve ser admirado também como uma mãe que soube das aflições do nascimento e o prazer de amamentar.
“Santificado seja o teu nome.”
Devemos abraçar isso com respeito, não só pelo nosso comportamento, os outros abraçaram isso com reverência.
“Venha teu reino.”
Que reines em nossos corações, alma, corpo e consciência.
“Seja feita a tua vontade.”
Salve-nos de murmurar contra qualquer cruz que jaz sobre nós.
“O pão nosso de cada dia, nos dá hoje.”
Abençoe o labor de nossas mãos para que possamos fazer nossa própria comida e também para os outros. Dê-nos do pão e da água de cada dia, do qual se alguém comer ou beber nunca mais terá fome ou sede. Como os grãos de trigo se tornam um pão, que assim nós possamos nos unir em Cristo, prontos para com Ele enfrentar pobreza, dor e vergonha.
“Perdoe as nossas dívidas.”
Salve-nos dos ressentimentos quando somos caluniados e desprezados, como Cristo, que como uma ovelha que antes de ser tosquiada permanece muda e não abre sua boca.
“Livra-nos da tentação”
de acreditar que nós fomos verdadeiramente perdoados, enquanto o rancor permanece e perante a tentação desesperadora da tua misericórdia, esquecer que Pedro e Maria Madalena foram perdoados.
“Liberta-nos dos demônios”,
da fome, da guerra, escassez e aborrecimento, mesmo se esta for a tua vontade.
“Pois teu é o Reino.”
Cristo deve reinar no céu e na terra.
“E o poder.”
Assim mesmo como libertaste Israel, liberta-nos.
“E a glória.”
Assim como deste o seu sopro para cada coisa que vive, porque a tua glória não tem fim.

Em 1986, na cidade de Estrasburgo, sua cidade natal, foi lhe feito uma homenagem com teses para uma teologia e um mundo mais inclusivos. Vale a pena citar algumas dessas teses: As irmãs não são irmãos em Cristo; Deus é mais do que Deus Pai; Deus fala através de sentimentos e lágrimas; escutar-se mutuamente é uma forma de escutar Deus; “que as mulheres guardem silêncio”, não significa que os homens devem falar por elas.
Outra mulher que movimentou a Reforma foi Argula Von Grumbach, tanto que Lutero a chamava de “Reformadora da Baviera”. Quando a Universidade de Ingolstadt forçou um estudante a revogar seu posicionamento pró Reforma e retratar-se em publico. Argula não se conteve. Nem se confessava uma adepta do “luteranismo”, contudo não conseguiu calar-se diante da posição da universidade. Escreveu, em 1523, para o reitor da Universidade intercedendo pelo estudante, como não sabia tão bem o latim escreveu em alemão, citando vários textos bíblicos ela termina escrevendo: “Tais palavras pronunciadas por Deus mesmo estão sempre diante de meus olhos, nestas palavras nem homens nem mulheres são excluídas. Por isso enquanto cristã me sinto obrigada a escrever...”
 Para um parente de Neuberg escreveu: “Me chamam de luterana. Mas não sou, fui batizada em nome de Cristo, este reconheço e não Lutero. Mas também reconheço que Lutero é fiel a Cristo. Os homens da Igreja de Würzburg confiscaram as terras de meu marido. Deus proverá para minhas quatro crianças, elas comerão com os passarinhos do céu, se vestirão com as flores dos campos...”
O marido morreu em 1530, mesmo assim ela conseguiu dar formação  às quatro crianças, correspondia-se com Lutero, casou-se mais uma vez com um luterano de nome Schlik e foi presa algumas vezes por posicionar-se contra a Igreja de Roma. Lutero a considerava a reformadora da Baviera. Tanto a respeitava que em 1524, escreveu para alguns conhecidos pedindo que orassem por Argula: “Ela merece que nós todos oremos por ela e pela batalha que está travando em nome do Evangelho”.
Em Genebra, temos Marie Dentière , que pregava e escrevia livros: “A Guerra e o Livramento da Cidade de Genebra” (1536), sobre a “Reforma genebrina” entre 1504 a 1536, “Defesa das Mulheres” e “Uma Carta Muito Útil” (1539), duas cartas escritas para a rainha Marguerite de Navarra. “Embora não seja permitido a nós (mulheres) pregar em assembleias públicas e nas Igrejas, não obstante não nos é proibido escrever e admoestar uma a outra com todo o amor. Não somente para vós, senhora, desejei escrever esta carta, mas também comunicar coragem a outras mulheres mantidas em cativeiro, a fim de que todas elas não temam ser exiladas do seu país, parentes e amigos, como eu mesma, por causa da Palavra de Deus. Para que elas possam, de agora em diante, não ser atormentadas e afligidas em si mesmas, mas antes, rejubiladas, consoladas e estimuladas a seguir a verdade, que é o evangelho do Senhor Jesus Cristo. Até agora, este evangelho tem estado escondido, de sorte que ninguém ousa dizer uma palavra a respeito dele, e apareceu que as mulheres não deviam ler e entender nada dos escritos sagrados. É esta a causa principal, minha senhora, que me compeliu a escrever a V. Excia., esperando em Deus que no futuro as mulheres não serão tão desprezadas como no passado... em todo o mundo”.
Sobre as mulheres testemunhas da ressurreição de Jesus, Marie Dentière, escreve:
“Se Deus deu então a graça a algumas boas mulheres, revelando-lhes, pelas Santas Escrituras, algo santo e bom, não ousariam elas escrever, falar e declará-lo uma à outra? Ah! seria uma audácia pretender impedi-las de fazê-lo. Quanto a nós, seria muita tolice esconder o talento que Deus nos deu”.

Elas escreveram, falaram, protestaram... e pouco se lê ou se vê sobre seus pensamentos, nomes e rostos. O sacerdócio universal  de todos/as os/as crentes está longe de ser inclusivo enquanto não houver o reconhecimento e a afirmação da igualdade de direitos entre homens e mulheres. Estamos falando de direitos e não de “favor ou chance”. Ao comemorar a data que marca o Movimento da Reforma, vamos ouvir e ler as palavras de algumas das mulheres reformadoras. Elas nos representam também!


No dia 31 de outubro teremos o Bazar e café da Reforma, que acontecerá no pátio da Igreja da Paz, em Joinville, durante todo o dia.  Haverá um espaço com o nome de “Livraria e Café Katharina Von Bora”. Ali e em todos os estandes serão  distribuídos textos escritos por essas mulheres que caminharam lado a lado com os reformadores e tem muito a nos ensinar sobre a teologia luterana e direitos humanos.



Bibliografia:

BAINTON. H. Roland. Frauen der reformation – von Katharina von Bora bis Anna Zwingli. Gütersloher Verl.-Haus, 1986.

DURANT, Will. A reforma – a história da civilização europeia de Wyclif a Calvino. Rio de janeiro: Record, 1957.

ROPER, H.R. Trevor. Religião, reforma e transformação social . Lisboa: Presença, 1972.

FROMMENT, Anthonie.  Les Actes et gestes merveilleux de la cité de Genève. Universidade de Lausane. Editora J.F. Fick. 1854, digitalizado em 2008.


AUTORAS:

Cibele Kuss
Pastora Luterana na Paróquia Bom Pastor  
Joinville/SC - Brasil

Vera Cristina Weissheimer
Pastora Luterana  no Departamento de Diaconia 
da Comunidade Evangélica de Joinville/SC - Brasil


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Memórias de Katharina


Peça teatral


Memórias de Katharina
Pa. Ms. Scheila dos Santos Dreher


Como material de estudo nos utilizamos do livro Katharina Von Bora - uma biografia, da Pa. Heloisa Gralow Dalferth, das Obras Selecionadas volume 5, de escritos do P. Prof. Dr. Martim Dreher acerca da Reforma Luterana, do texto da Diaconisa Ruthild Brakemeier em Novolhar nº 53 - ano 2013, e do blog da Rede de Mulheres e Justiça de Gênero (redemulheresluteranas.blogspot.com). O texto apresentado na CENA II – o casamento de Katharina e Martim Lutero -, com exceção dos nomes, foi extraído de texto escrito pelo próprio Reformador Martim Lutero quando escreveu a respeito da Bênção Matrimonial, conforme Obras Selecionadas volume 5, p. 284. As cartas propostas na CENA IV são transcritas da biografia apresentada por Helosia Gralow Dalferth.
Esta encenação foi escrita, originalmente, para a 4ª Noite Cultural Luterana da Paróquia do Parecis/MT. O ambiente que ela pressupõe é o espaço da igreja.
Cenário geral: Cozinha com uma mesa bem grande, capaz, também, de abrigar treze freiras na Cena I, e sala de estar com móveis e objetos de decoração antigos.
Personagens: É possível envolver pessoas de gerações diferentes durante a encenação!
Serão necessários os seguintes personagens:
- Katharina (com mais idade, responsável pelos comentários entre as cenas);
- Cena I: Treze freiras, entre elas a Katharina jovem, e, ainda, a madre superiora e o comerciante de peixes;
- Cena II: Lutero, Katharina, o casal Lucas e Bárbara Cranach e uma criança, o jurista João (Johann) Apel e o pastor Justus Jonas;
- Cena III: Lutero, Katharina e cinco crianças: três meninos e duas meninas;
- Cena IV: Lutero e Katharina (com mais idade)

Sinos (ou Som de sinos)
Música
DIRIGENTE 1
Boa noite! Em nome da Equipe Organizadora saúdo a todas e a todos vocês, crianças e pessoas adultas, comunidade e visitantes! Sejam todas e todos muito bem vindos!
Apagar luzes da parte frontal da igreja.
Música
Projeção em data-show enquanto se procede a leitura do texto:
DIRIGENTE 2
SLIDE 1: Neste ano festejamos 496 anos da Reforma Luterana! Estamos em contagem regressiva para os 500 anos da Reforma. Por volta de 1500, quando no Brasil chegavam as caravelas dos navegadores portugueses pela primeira vez, na Europa vivia-se um tempo de grandes transformações.
- na Alemanha, Johannes Gutenberg inventou a imprensa no final do século XV. Com isso, novas ideias se espalhavam rapidamente;
- por conta das navegações ao redor da Terra a noção do universo se modificava;
- os turcos ameaçavam a Europa. Guerras e disputas por poder político marcaram o século XVI - século da Reforma;
- o comércio estava se fortalecendo nas cidades da Europa a partir da produção feita à mão; muitos agricultores e agricultoras saíam do campo para trabalhar nas cidades. Surgia o capitalismo como modelo econômico de mercado;
- grandes epidemias, conhecidas como pestes, mataram a população quase total de habitantes, em várias cidades;
- as pessoas viviam intensamente a religião. Elas sentiam muito medo de Deus e do inferno e, a partir da pregação da própria igreja, entendiam que precisavam conquistar o perdão e a salvação da parte de Deus. O arrependimento não era mais necessário, pois o perdão fazia parte de uma negociação e a Igreja se colocava como intermediária nessa negociação. Perdão se comprava por dinheiro, inclusive para pessoas queridas já falecidas. Por medo, as pessoas desfaziam-se de seus bens para adquirir as assim chamadas cartas de indulgência.
SLIDE 2: Em meio a todas essas transformações aconteceu a Reforma Luterana. Martim Lutero, ex-monge da ordem dos agostinianos, professor de Bíblia, descobriu, com muito estudo da Sagrada Escritura, que Deus perdoa as pessoas por sua infinita misericórdia e as aceita por graça e fé, sem qualquer mérito de sua parte. Assim está escrito em Romanos, capítulo 1, versículo 17: “O justo viverá por fé”.
SLIDE 3: Por isso Martim Lutero escreveu 95 teses e as pregou na porta do castelo igreja de Wittenberg, na Alemanha, no dia 31 de outubro de 1517 – Dia da Reforma.
SLIDE 4: Muitas pessoas envolveram-se na Reforma: homens e mulheres, padres, monjas, príncipes e pessoas dentre o povo. A partir das memórias de Katharina Von Bora, ex-monja, nascida em 1499 na Alemanha, que contraiu matrimônio com Martim Lutero em 1525, resgatamos parte dos acontecimentos e da teologia centrais na história da Reforma.
SLIDE 5: Volte no tempo conosco e encante-se com a teologia e a coragem de pessoas que transformaram uma época e que nos convidam a viver uma igreja sempre em reforma!
Acender as luzes frontais da igreja.
Música
Ao cessar a música, Katharina entra na igreja cantarolando: “Lobe den Herren” (ou outra canção cristã em língua alemã). Carrega nos braços uma cestinha com ovos. Coloca-os sobre a mesa da cozinha, sempre cantarolando.
1 – COMENTÁRIO
KATHARINA: Pronto! Todos os ovos já foram recolhidos, os animais já estão na estrebaria, todos já foram dormir... Vou sentar-me por um instante! Hm... Que frio! Onde coloquei meu xale? Com a idade me tornei esquecida! (Katharina verifica a o redor!) Ah! Sim, guardei-o ontem a noite no velho baú. Deixe-me pegá-lo!
Katharina abre o baú, encontra o xale, e o veste.
KATHARINA: Agora sim, me sinto melhor.
Katharina volta sua atenção, novamente, para o baú!
KATHARINA: Mas quantas coisas há neste baú. “Mensches Kind!” Quem diria! O meu velho hábito de freira está aqui! Quanto tempo faz que usei este hábito! Lembro-me bem de alguns acontecimentos daquela época; de outros, nem tanto. Já faz tanto tempo! Quando eu tinha cinco anos de idade minha mãe já havia falecido, meu pai se casara de novo e eu fui levada até o convento beneditino em Brehna aqui mesmo, na Alemanha. Bem, isso era assim mesmo. Quando se tratava de uma família de nobres empobrecida, melhor deixar a filha morar e estudar num convento do que não ter meios de sustentá-la adequadamente. Aos nove anos meu pai me transferiu para o Convento Marienthron, na cidade de Nimbschen. Lá estava uma tia minha do lado materno, tia Muhme Lene, que morou conosco aqui em Wittenberg, mais tarde, muitos anos. Também funcionava no Convento Martienthron uma escola para meninas da nobreza que moravam e estudavam lá, mas não estavam destinadas a se tornar freiras. Aos 16 anos fui ordenada freira e foi quando recebi meu hábito. A partir deste dia passei a me vestir como as outras freiras: com o hábito branco, véu e cinto pretos. Lembro de tudo isso como se fosse hoje! Nós trabalhávamos muito no mosteiro, especialmente na horta e no estábulo. Lá aprendi a cuidar de doentes e a lidar com chás e ervas medicinais. Aprendi a ler e a escrever e tive iniciação em latim. Também cantávamos e orávamos muito. Tudo certo! Mas a regra do silêncio... Ah! Essa incomodava. Imagina! Não podíamos conversar no refeitório, no dormitório, na igreja e na sala do coral. Mas o que está mais vivo em minha memória, quando me recordo deste tempo, foram os acontecimentos da madrugada de Páscoa de 1523, quando eu tinha dezoito anos de idade...!
Música
2 – CENA I: Fuga do Convento
Sete freiras entram pelo corredor principal da igreja com ferramentas de trabalho na roça e balaios com verduras e frutas. Estão voltando do pomar e da horta.
Cantam a música dos “sete anões” dançando ritmadamente, no mesmo padrão:
Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou. Pararatimbum, pararatimbum, eu vou, eu vou! Eu vou eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou. Pararatimbum, pararatimbum, eu vou, eu vou!”
MARGARETHE: (Margarethe é a primeira freira da fila. Ela pára abruptamente, volta-se para as companheiras e, gesticulando muito, fala em alto e bom tom.) Pára tudo! Não é essa a música! E também não são somente sete freiras; são dooooze freiras. Volta todo mundo! De novo, de novo, de novo...
As freiras correm de volta para a entrada e se reorganizam, divertindo-se com sua própria “arte”! Margarethe novamente vem à frente da fila.
Desta vez, entram as doze freiras pelo corredor principal da igreja, extremamente bem comportadas, com ferramentas de trabalho na roça e balaios com verduras e frutas. Estão voltando do pomar e da horta. Movimentam-se devagar, ordenadamente. Cantarolam juntas, com entonação séria e formal (com auxílio de alguém ao violão ou de som instrumental):
Vamos nós trabalhar, somos servas de Deus, nosso Mestre servir no caminho dos céus; e no seu bom conselho o vigor renovar, diligentes fazendo o que Cristo ordenar. No labor, com fervor, a servir a Jesus, com firmeza e fé e com oração, até que volte o bom Senhor.” (HPD 184)
As freiras silenciam quando chegam ao refeitório (mesa de centro que compõe o cenário, utilizado ora como cozinha, aro como refeitório do Convento), onde as espera uma mesa comprida, com treze cadeiras. Elas colocam as verduras na fruteira, sobre a mesa, e arrumam as ferramentas num canto do ambiente. Lavam suas mãos e as enxugam junto a uma bacia com uma jarra e toalha. Colocam-se em pé, ao redor da mesa e aguardam. Uma grande panela se encontra ao centro e treze pratos com colheres já estão distribuídos ao longo da mesa. As doze freiras realizam todos os seus movimentos em silêncio absoluto e sem qualquer gracejo!
Música
A madre superiora entra pelo corredor principal da igreja e se coloca em pé, na cabeceira da mesa. As freiras a cumprimentam com a cabeça à medida que seus olhares se cruzam. Todas imitam a madre superiora na postura de oração (mãos juntas e olhos fechados).
MADRE: Nós te bendizemos, ó Deus, pelo alimento que temos á mesa aqui, no Mosteiro Marienthron, em Nimbschen. Amém.
Música (durante a refeição)
Todas as freiras se sentam. Uma das freiras se coloca em pé e, num espírito de cooperação, todas são servidas.
Todas se alimentam em silêncio. A madre novamente se coloca em pé, sendo seguida pelas demais. Em postura de oração agradece pelo alimento.
MADRE: Obrigada, Senhor! Aceita o nosso louvor. Amém.
Nove freiras se levantam e seguem a madre superiora, em silêncio, pelo corredor principal da igreja, porta afora.
Três delas ficam “lavando a louça”, numa bacia disponível sobre uma mesinha, ao lado da mesa principal. Enquanto isso, conversam:
MARGARETHE: Katharina, chegou algum retorno da carta que escrevemos ao Doutor Lutero?
KATHARINA: Sim, sim, Margarethe! Ontem a noite um monge agostiniano do Convento de Grimma, aqui perto, trouxe a resposta da carta que enviamos ao Doutor Lutero.
AVE: E então, Katharina, o que dizia a carta? Fala logo!
MARGARETHE: Sim, Katharina, fala logo!
KATHARINA: (Faz sinal com as mãos pedindo calma!) Calma! Já falo! Já falo! O Doutor Martim Lutero mostrou-se muito contente na carta por algumas razões. Segundo ele, entendemos corretamente que todas as pessoas são chamadas a servir a Deus através da profissão que exercem, no dia a dia. Sendo assim, não é necessário que as pessoas precisem viver em reclusão, nos conventos, isoladas de tudo, para agradar a Deus. (Margarethe e Ave escutam as palavras de Katharina quase “segurando o fôlego”, de tão contentes!)
MARGARETHE: (Margarethe abraça Katharina!) Isso é fantástico, Katharina!
AVE: (Abraça as duas companheiras. As três dão pulinhos de alegria!) Deus seja louvado!
MARGARETHE: E o que mais o Doutor Martim Lutero disse, Katharina?
KATHARINA: Bem, ele ainda disse que, de fato, com muito estudo da Bíblia, percebeu que Deus nos salva porque ele nos ama, por causa de sua misericórdia. Nada, mas nada mesmo do que façamos fará com que conquistemos o seu perdão. Ele nos perdoa por graça, mediante a fé. Isto está escrito na carta do apóstolo Paulo aos Romanos!
AVE: Incrível! Então Deus não é um Deus-juiz, que solta raios pelos olhos e tem prazer em nos conduzir ao inferno!
MARGARETHE: Bendito seja Deus!
KATHARINA: E tem mais!
AVE: O que, Katharina? O que mais?
MARGARETHE: Ele vai nos ajudar a sair daqui? É isso! Só pode ser isso!
KATHARINA: Sim!!! (Margarethe e Ave exultam de alegria!) Ele pediu ajuda de um amigo seu que, por sua vez, pediu ajuda de um sobrinho; aquele que sempre vende peixes ao nosso Convento.
AVE: Sério? Mas como vamos escapar daqui? Se formos pegas, é pena de morte na certa!
KATHARINA: O plano é o seguinte. Leonardo Koppe, o comerciante que vende peixes virá fazer uma entrega aqui no domingo de Páscoa. Então...
(As três freiras se abraçam e cochicham comentando o plano de fuga.)
MARGARETHE: Certo! Vamos contar às outras companheiras e orar muito para que dê tudo certo!
Música
Margarethe, Katharina e Ave saem pelo corredor da igreja.
Apagar as luzes frontais do interior da igreja.
Cena da Fuga: (Comerciante e as 12 freiras) O comerciante de peixes entra pelo corredor principal da igreja puxando uma carrocinha com um barril de peixes (de papel ou outro material). Vem assobiando, olhando ao redor, bem faceiro. Quando ele está descarregando
seus “peixes”, as freirinhas vão chegando pelos corredores da igreja, rindo baixinho, com expressão e postura de quem está fazendo algo escondido.
Assim que o comerciante descarrega os peixes, ainda assobiando, com expressão de malandro, ele faz sinal para que elas “entrem” na carroça.
Acender as luzes.
Musica (durante a fuga)
Uma das freiras entra no barril e as demais acompanham a carroça ao lado e atrás dela, com expressão bem faceira, dando pulinhos de alegria e risadinhas!
O grupo sai pelo corredor central da igreja.
3 – COMENTÁRIO
KATHARINA: Foi incrível tudo o que aconteceu! Quem diria que os escritos do Dr. Martim Lutero entrariam no Convento Marienthron e que a sua leitura causaria todo este tumulto. De fato, depois que lemos que não é necessário servir a Deus nos conventos, mas que ele chama cada uma e cada a servi-lo diariamente, através de sua atividade profissional ou estudantil, então não vimos mais sentido em permanecer em reclusão! O mesmo pensaram freiras e monges em outros conventos que também se afastaram da vida em reclusão nos conventos. No Domingo de Páscoa, o dia da nossa fuga, chegamos até a cidade de Torgau e permanecemos lá até a terça feira. Três de nós encontraram abrigo junto as suas famílias ali mesmo. Ainda que tenhamos sido bem acolhidas, inclusive com aplausos por parte da população da cidade, as pessoas não queriam que permanecêssemos em Torgau porque naquele principado, quem auxiliasse uma freira, corria risco de pena de morte. Então seguimos até Wittenberg. Chegamos na terça feira de tardezinha. Lembro-me como se fosse hoje da expressão de surpresa de algumas pessoas. “São freiras! Deixe-me ver: uma duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove freiras! O que será feito delas! Para onde irão?” – as pessoas teciam comentários enquanto cercavam a carroça que nos havia trazido a Wittenberg. Os dias seguintes foram repletos de novidades. Aos poucos cada uma de nós encontrou seu rumo: algumas foram acolhidas por familiares, para outras o próprio Martim Lutero, com a ajuda de amigos, encontrou um marido. Mais tarde algumas de nós também se tornaram professoras de escolas para meninas. Lembro-me com muito carinho que fiquei morando muitos meses na casa de Lucas e Bárbara Cranach. Aprendi muito sobre a administração de uma casa com a Bárbara Cranach. Foi então que conheci e me apaixonei por Hieronymus Baumgärtner. Ele era apenas um ano mais velho que eu. Infelizmente, ele foi a Nürnberg pedir o consentimento de seus pais para o casamento e estes não autorizaram. A ideia de um filho se casando com uma ex-freira não era aceitável. Hieronymus Baumgärtner nunca voltou de Nürnberg. Soube que se casou com outra pessoa. O próprio Dr. Martim Lutero, com seu senso de responsabilidade, escreveu a Hieronymus Baumgärtner perguntando, afinal, por sua decisão. O Dr. Martim Lutero, então, escolheu com marido para mim um pastor, mas este eu não quis. Mandei um recado, por um amigo do Dr. Martim Lutero, dizendo-lhe que com este tal pastor eu não me casaria de forma alguma, mas se Lutero quisesse casar-se comigo eu não me recusaria. Apesar do medo que o Dr. Martim Lutero sentia de casar-se, visto que supunha ser assassinado a qualquer momento, algo aconteceu...! Ele já havia se pronunciado a respeito do casamento dizendo ser este um espaço privilegiado para homem e mulher servir a Deus. Nós nos casamos na noite de 13 de junho de 1525: Martim tinha 42 anos e eu 26!
Música
4 – CENA II: Casamento de Katharina e Lutero
Música
O Pastor João (Johannes) Bugenhagen entra pelo corredor da igreja com um livro preto na mão e se coloca no lugar central do palco, voltado para a comunidade reunida. Pronuncia-se em tom formal e pomposo.
PASTOR JOÃO: Em conformidade com a ordem divina, Martim Lutero e Katharina von Bora querem assumir o sagrado estado do matrimônio e desejam uma oração cristã da comunidade por eles, para que o iniciem em nome de Deus e sejam bem sucedidos. Se alguém tiver alguma coisa a objetar, que o faça em tempo ou se cale depois. Deus lhes dê a bênção. Amém.
Música
Martim Lutero e Katharina entram pelo corredor da igreja de braços dados e, logo atrás deles, entram, também, as pessoas convidadas: Bárbara e Lucas Cranach com sua filha, o pastor da igreja da cidade, Justus Jonas, e o jurista Johann Apel. O grupo de convidados canta:
Até que enfim, até que enfim!”;
aplaude, assobia, bate palmas, faz festa e grita expressões de alegria, como: Viva os noivos! Até que enfim vão desencalhar! O sentimento de todos, também do casal, é de alegria!
O pastor cumprimenta Lutero, Katharina, os convidados e as convidadas. O grupo de convidados se acomoda em pé, ao redor do casal e do pastor, com o cuidado de não ficar de costas para a comunidade. Todos e todas se aquietam. O Pastor João inicia a cerimônia:
PASTOR JOÃO: Prezado colega Martim, prezada senhora Katharina, vocês convidaram para este momento o jurista João (Johann) Apel, o pastor Justus Jonas e o casal de amigos Lucas e Bárbara Cranach. (À medida que o pastor João menciona os nomes as pessoas se manifestam!)
Pois bem! No livro de Gênesis, capítulo 1, versículo 27 está escrito: “Deus criou o ser humano para que houvesse um homenzinho e uma mulherzinha”. E isso lhe agradou tanto que ele próprio os chamou de boas criaturas. E Deus quer que essas boas criaturas sejam honradas e respeitas como obra divina, e não permite que o homem despreze ou ridicularize a mulher ou a moça, nem tampouco a mulher o homem, mas cada qual honre a pessoa e o corpo do outro como boa obra de Deus.
MARTIM LUTERO E KATHARINA: Ja! Já! (Katharina e Lutero concordam alegremente, manifestando seu consentimento com um “sim”, em língua alemã!)
Depois de haver criado homem e mulher, ele os abençoou e disse: “Crescei e multiplicai-vos”, conforme Gênesis capítulo 1, versículo 28. Esse versículo nos dá a certeza de que homem e mulher se devem unir, para se multiplicarem.
MARTIM LUTERO E KATHARINA: Ja! (Ambos concordam, alegremente!)
PASTOR JOÃO: Por isso pergunto a vocês:
Martim, queres receber a katharina por cônjuge matrimonial? Então diga: Sim!
MARTIM LUTERO: Ja! (Lutero se pronuncia alegremente!)
PASTOR JOÃO: Katharina, queres receber a Martim como cônjuge matrimonial? Então diga: sim!
KATHARINA: Ja! (Katharina também se pronuncia alegremente!)
PASTOR JOÃO: O que Deus une não o separe as pessoas! O grupo todo festeja o “casamento”, com expressões de alegria. LUCAS
CRANACH: Mas e a festa do casório, quando vai ser?
MARTIM LUTERO: Semana que vem acontecerá a festança com muitos amigos e parentes. Todo mundo está convidado! Será só alegria!
JURISTA: Então já vamos brindar agora!
TODO O GRUPO: Vamos lá! Música (Um barril de chopp) O grupo todo sai pelo corredor central da igreja cantando e dançando:
Um barril de chopp, lala..., dois barris de chopp..., três... quatro..., cinco, seis, sete, oito, nove, dez”. Viva os noivos!
5 – COMENTÁRIO
KATHARINA: Bem, na noite de nosso casamento, como era costume na época, os convidados nos levaram até o quarto de casal e nos deitaram no colchão. Então se despediram e, no dia seguinte, voltaram para o café da manhã. Uma semana depois aconteceu a festa de casamento. Também o pai e a mãe de meu marido se fizeram presentes. Foi uma bela festa no Schwarzes Kloster, um antigo mosteiro que Martim recebeu da Universidade como moradia. Nos anos seguintes a casa encheu-se de vida: Tivemos três meninas e três meninos. Também acolhemos conosco muitos sobrinhos e sobrinhas. Martim se ausentava de casa frequentemente e, muitas vezes, por longos períodos, em função das questões da Reforma. Não se esquecia, no entanto, de escrever às crianças e, sempre que possível, lhes trazia uma lembrança do lugar onde estivera. Nosso grande pesar foi a perda, ainda bebê, de nossa segunda filha, Elisabeth. Isto foi realmente difícil de superar! Mas Deus nos concedeu muitas alegrias com nossas filhas e filhos. Lembro-me, com saudade, dos natais em família, quando nossas filhas e filhos ainda eram crianças...!
Música
6 – CENA III: Natal em família: (Filhos e filhas de Katharina e Lutero: Joãozinho [Johannes Luther], Elisabete [Elisabeth Luther faleceu ainda bebê, com sete meses de idade, provavelmente de laringite aguda/krupe], Madalena [Magdalena Luther faleceu aos doze anos de idade, provavelmente de leucemia], Martin Junior [Martin Luther Junior], Paulo [Paul Luther] e Margarethe [Margarethe Luther]).
Música (natalina)
Crianças entram animadas pelo corredor central da igreja. Trazem em suas mãos enfeiteis de Natal. Podem também ter consigo algum brinquedo. Katharina segue as crianças. Por último vem Lutero trazendo um pinheirinho num vaso.
MADALENA: Vamos, pessoal! Vamos enfeitar o pinheirinho para festejar o nascimento do menino Jesus!
MARGARETE: Sim! Vamos logo!
KATHARINA: Calma crianças! Devagar! Joãozinho, você ajuda seu pai com a árvore! Madalena, Martin Junior, Paulo e Margarete, vocês colocam os enfeites deste lado. (Katharina auxilia as crianças. Lutero e Joãozinho acomodam a árvore numa das extremidades do cenário.)
MARTIM LUTERO: Pronto! Agora temos um lindo pinheirinho de Natal. (Lutero mostra-se satisfeito.)
KATHARINA: É realmente uma linda árvore! Crianças! Vamos enfeitar o pinheirinho lembrando a neve que cai sobre os ramos verdes dos pinheiros lá fora?! Quem ajuda?
CRIANÇAS: Eu ajudo! Eu também ajudo! Toda a família enfeita o pinheirinho. Katharina e Lutero coordenam a decoração! As falas acontecem espontaneamente!
MARTIM LUTERO: Muito bem! Vamos sentar aqui, perto do pinheirinho. (Toda a família se acomoda em cadeiras, num semi-círculo, cuidando para não ficar de costas, completamente, para a comunidade.) No primeiro Natal, Deus nos deu um presente de valor sem igual. Também quero lhes oferecer um presente. Escutem com atenção!
Martim Lutero reconta a história do Natal aos seus filhos e às suas filhas através de uma canção.
“1. Num berço de palhas dormia Jesus
O meigo menino que veio à luz.
Num rude presépio, de noite, em Belém,
Enquanto as estrelas brilhavam além.
2. Acorda o menino o gado a mugir
Mas ele não chora, se põe a sorrir!
Eu Te amo, querido menino gentil:
Vem, guarda também o meu berço infantil.
3. Criança, tu foste nascida em Belém:
Por isso às crianças atendes também.
Desejo ter sempre a meu lado, Senhor,
A tua presença tão cheia de amor.”
As crianças escutam a canção, muito atentas. Aplaudem (sem folia) ao final da canção!
MADALENA: (Madalena dá um beijo na face de Lutero.) Que linda esta canção, papai!
JOÃOZINHO: Muito obrigado pelo presente, papai!
As demais crianças agradecem em coro: Obrigado, papai!
MARTIM LUTERO: Está bem. É hora de nos prepararmos para irmos ao culto de Natal! E lembrem-se: “Cristo quer ser teu irmão, assim como Deus quer ser teu Pai.” (De: Martim Lutero, In: Pérolas para o cotidiano.) Agora, vamos ao culto! (Lutero chama as crianças colocando-se em pé!)
KATHARINA: (Katharina, sempre muito prática, apressa as crianças.) Venham crianças! Vamos lá! O tempo passa muito depressa!
A família vai saindo, alguns de mãos dadas, ao som da canção natalina.
Música (natalina)
7 – COMENTÁRIO
KATHARINA: A vida no antigo mosteiro na cidade de Wittenberg, que agora nos servia de moradia, sempre foi muito intensa. Assumi a administração da grande casa e das propriedades que fomos adquirindo, com o passar do tempo. Tínhamos horta, criação de animais de pequeno porte e plantações nas terras ao redor da nossa casa. Mais tarde adquirimos terras que pertenceram à minha família em Zülsdorf. Também precisamos contar com o auxílio de empregados e empregadas para dar conta de tudo o que era necessário para a manutenção da propriedade. Como era costume que professores universitários oferecessem moradia para estudantes, decidi reformar nossa casa e aproveitar o espaço de que dispúnhamos para um pensionato de estudantes. Muitos estudantes moraram conosco. Nossa cozinha sempre foi muito movimentada e ao redor da grande mesa aconteciam conversas teológicas da qual também eu participava. Que riqueza eram estas conversas fomentadas pelo conhecimento e pela perspicácia de Martim! O conhecimento sobre o uso de ervas medicinais que adquiri quando vivia no Convento Marienthron me foi de grande valia, em diversas ocasiões. Até mesmo pessoas da cidade vinham até a nossa casa solicitar auxílio na doença. Quando Martim viajava, costumava escrever-me cartas sobre diversos assuntos. Ora me mantinha a par dos acontecimentos políticos que envolviam a Reforma, ora me atualizava sobre as discussões teológicas, ora solicitava minha opinião a respeito de algum assunto ou me pedia para encaminhar a publicação de mais um de seus escritos.
8 – CENA IV: Cartas de Martim Lutero a Katharina
Música
Lutero entra pelo corredor principal da igreja, caminhando apressado, trazendo consigo alguns papéis, um tinteiro e uma caneta. Senta-se à mesa e acende o lampião (ou uma vela).
MARTIM LUTERO: Hm... Vamos lá. Preciso informar Katharina dos últimos acontecimentos. Só imagino sua aflição sem ter notícias nenhuma há tantos dias!
Lutero se põe a escrever. À medida que escreve vai lendo em voz alta:
“8 de setembro de 1530
Minha mais querida dona-de-casa Katharina Luther, de Wittenberg, em mãos.
Graça e paz em Cristo.
Minha querida Käthe! Este mensageiro passou com muita pressa por aqui, que eu não consegui escrever muito. Mas eu penso que em breve nós conseguiremos nos ver pessoalmente, pois este mensageiro nos trouxe cartas de Augsburg falando que os tratados sobre o nosso assunto chegaram ao fim e que só se espera ainda as conclusões e decisões do imperador. Pensa-se que tudo será adiado para um futuro concílio [...]. Que aconteça como Deus quer, mas que ao menos a Dieta [a disputa] tenha um fim; nós fizemos o que pudemos e os papistas não querem ceder nem um fio de cabelo. [...]
Admira-me muito alguém te dizer que eu estaria doente, pois tu mesma vês a pilha de livros que estou escrevendo. [...]
Saúda a tudo e a todos! Eu tenho um grande e bonito livro de açúcar para [nosso filho] Hans Luther [...]. Fiquem com Deus e orem! [...] Martinus Luther.”
(Lutero continua escrevendo e, ao que parece, lendo!)
KATHARINA: Poucos dias depois que recebi esta carta, Lutero me escreveu novamente. A situação estava bem complicada com os assuntos da Reforma pelos anos de 1530!
MARTIM LUTERO:
“24 de setembro de 1530
Em mãos da Sra. Katharina, doutora Luther de Wittenberg
Graça e paz em Cristo!
Minha querida Käthe! Ontem eu escrevi para ti e junto com esta carta enviei uma para o meu gracioso senhor, [Konrad Kordatus], na qual tu podes ler como o nosso pessoal está bem em Augsburg! Por isso eu penso que (se Deus assim o quer) nós queremos estar com vocês em casa daqui a 14 dias. Mas como eu percebo, o nosso caso não permanecerá sem condenação, mas isso não importa. Eles querem que os monges e freiras voltem para os conventos. Joh. Riedesel nos escreveu. Ele espera que irão sair de Augsburg com paz em todas as ruas. Que Deus conceda isso. Mais novidades tu ouvirás de Hornunger. Fiquem todos com Deus. [...] Martinus Luther”
(Lutero continua escrevendo.)
KATHARINA: Martim sempre se preocupou em trazer algo para presentear as crianças no retorno de suas viagens. Quando não conseguia encontrar algo que lhe agradasse, pedia que eu providenciasse algo por aqui para ofertar às crianças assim que chegasse. Através das cartas Martim continuava a manter-me informada dos acontecimentos da Reforma e a solicitar minha opinião. Martim também comentava em suas cartas sobre o seu estado de saúde, que nunca foi muito bom. Ele sofreu muito tempo com uma ferida na perna e, também, com pedras nos rins. Se eu não lhe respondia logo uma carta por conta dos muitos afazeres na administração do pensionato para estudantes, na administração de nossa casa e da nossa propriedade, ele também reclamava!
MARTIM LUTERO: Hm... Deixe-me ver:
“2 de julho de 1540
Minha querida Käthe, doutora luterana, em mãos.
Graça e paz!
Querida Käthe, mulher graciosa de Zülsdorf (e como a sua graça ainda mais pode ser chamada)!
Eu quero comunicar à senhora e à sua graça que eu estou muito bem aqui. O mestre Phillipp Melanchton esteve morto e, assim como Lázaro, ressuscitou da morte. Deus, o bondoso Pai, escutou as nossas orações.
Eu escrevi para o pastor P. Pommer de que forma o idoso de Schwarzburg pede por um pastor para Greussen. Eu peço que tu, como uma mulher inteligente e doutora, juntamente com mestre George
Maior e mestre Ambrosio, ajudem a decidir qual dos três pastores que eu indiquei ao Pommer deverá ser indicado. Nenhum deles é mau pastor. Mas sejam vocês inteligentes e façam o melhor.
Eu recebi as cartas das crianças [...]. Mas de sua graça não recebi nada. Quem sabe, se Deus quiser, eu receberei uma resposta vinda de sua mão, depois desta quarta que eu lhe escrevo [em seguida, sem uma resposta]. [...]
Fiquem bem e alegres e orem, amém.”
KATHARINA: Sempre achei muito simpático e amoroso a forma como Martim se dirigia a mim na introdução de suas cartas. Vejam só: em 7 de fevereiro de 1546 ele escreveu (Katharina lê!): “Minha querida dona-de-casa Katharina Luther, doutora, mercadora de porcos de Wittenberg, minha graciosa senhora, em mãos e pés.” Alguns dias depois, em 10 de fevereiro de 1546, ele escreveu novamente: “À santa, mulher preocupada, senhora Katharina Luther, doutora, mulher de Zülsdorf (esta é a cidade onde adquirimos terras que pertenciam à minha família), minha graciosa, querida dona-de-casa.” Em muitas cartas Martim encerrava com as seguintes palavras: “Martinus Luther, teu querido amorzinho.”
Música
Martim Lutero recolhe seus papéis, apaga o lampião (ou a vela) e sai pelo corredor central da igreja.
9 – COMENTÁRIO
KATHARINA: Martim Lutero dizia que “um cristão é senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém. Um cristão é servidor de todas as coisas e sujeito a todos.” Martim Lutero viveu como pessoa liberta em Cristo, por isso trocou seu nome de Ludher, com dh, que significa vagabundo, para Luther, Lutero, com th, que significa liberto. Por sentir-se livre ele serviu a Deus. Traduziu a Bíblia para a língua alemã e fez questão de que os cultos acontecessem na nossa língua para que as pessoas pudessem compreender o que estava sendo pregado e não se deixassem ludibriar por vozes que não eram coerentes com o Evangelho de Jesus Cristo. Martim também pressionou os príncipes para que criassem escolas em seus territórios e oportunizassem o aprendizado da escrita e da leitura a todo menino e a toda menina. Criticou a usura das pessoas nos seus negócios e toda desonestidade e injustiça na relação entre patrão e empregados. Escreveu muito e ajudou as pessoas a conhecer um Deus que ama e que liberta do poder da morte e do pecado mediante a fé, sem qualquer mérito pessoal. Martim veio a falecer na cidade em que nasceu, em Eisleben, em 1546, com 64 anos de idade, quando resolvia um conflito entre irmãos. Apesar de Martim haver indicado em seu testamento que nem eu nem nossos filhos e filhas precisávamos de tutores, dado que sempre assumi a administração de tudo o que nos pertencia, fomos forçados a aceitar tutores sobre nós. A solidão e o sofrimento pela perda de Martim foram muito grandes. Entendi que não apenas eu perdi o meu querido marido, mas o mundo perdeu um homem de grande valor. Nos primeiros tempos tive dificuldade para comer, beber e dormir. Em seguida vieram dificuldades resultantes de guerras políticas, da epidemia que dizimou a população de nossa cidade e, naturalmente, também sofremos sérias dificuldades financeiras. Por conta das guerras políticas, precisei fugir mais de uma vez de Wittenberg e procurar abrigo em outro lugar. Com tudo isso, minha saúde ficou demasiadamente debilitada!
Apagar as luzes frontais do interior da igreja.
Música (durante a cena a seguir)
Katharina acende uma vela, silencia, permanece em silêncio, em pé, diante da vela, por alguns instantes. Apaga a vela e sai pelo corredor principal da igreja.
DIRIGENTE 2
SLIDE 6: Katharina von Bora ou “ A Estrela da Manhã de Wittenberg”, como Martim Lutero carinhosamente a chamava, faleceu no dia 20 de dezembro de 1552, com 53 anos de idade. Foi sepultada na cidade de Torgau. Philipp Melanchthon, professor da Universidade de Wittenberg, pensador da Reforma e colaborador de Martim Lutero proferiu a alocução de sepultamento. Não somente Katharina von Bora, mas outras mulheres também atuaram decisivamente na Reforma Luterana. Entre estas mulheres estão Árgula Von Grumbach e Katharina Schütz Zell.
Árgula Von Grumbach se posicionou por escrito, a partir da Bíblia, a favor de um professor luterano e dispôs-se a discutir com os demais professores em seu favor. Este debate nunca aconteceu, mas seu escrito foi publicado sete vezes alcançando mais de 30 mil cópias. Árgula Von Grumbach também insistiu com Martim Lutero, por correspondência, que encontrasse uma companheira e se casasse para que coroasse o seu testemunho do Evangelho com o matrimônio.
Katharina Zell morava em Estrasburgo. Atuou ao lado de seu marido. Ela foi dedicada cuidadora de pessoas doentes. Abrigou 150 homens refugiados por causa da Reforma e escreveu cartas de consolo às suas esposas, filhos e filhas. Durante a Guerra dos camponeses organizou a cidade de tal modo que pudesse acolher mais de três mil refugiados. Katharina Zell publicou um livro de Salmos para oportunizar que também as mulheres pudessem cantar.
SLIDE 7: Estas e outras mulheres testemunharam o Evangelho de Jesus Cristo, no contexto da Reforma Luterana. Muitas delas tinham boa formação acadêmica, participavam de grupos de estudos e de debates.
Acender luzes.
DIRIGENTE 3
A Reforma Luterana transformou o mundo de então. Conhecer com mais profundidade a história da Reforma e as pessoas - homens e mulheres – envolvidas nesta história por estarem comprometidos com o Evangelho de Jesus Cristo, nos faz perceber a dimensão atual da Reforma. Ainda hoje a redescoberta central de Martim Lutero, do Deus que ama e aceita por graça e fé, soa como palavra de liberdade. Nada nos prende. Katharina entendeu isso quando saiu do convento e foi servir a Deus no dia a dia, nas muitas tarefas que assumiu e através das reflexões de que participou. De Deus nada se compra. Tudo se recebe! Por gratidão, podemos servi-lo com alegria! Assim como a Reforma aconteceu com a participação de muitas pessoas, também hoje se faz necessário o sacerdócio geral de todas as pessoas crentes no testemunho do Reino de Deus!
Música
Todas as artistas e todos os artistas vêm à frente, formam um abraço em semicírculo e se curvam, agradecendo a atenção.

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500 Anos de Reforma

 Protestante e as mulheres






500 Anos de Reforma Protestante e as mulheres
Ir. Ruthild Brakemeier

Introdução
“Sem o apoio das mulheres, a Reforma não teria acontecido”. Esta é a convicção de Martin H. Jung1, após fazer uma pesquisa sobre mulheres da época da Reforma. Ele escreve ter feito descobertas muito interessantes. A primeira foi que, para encontrar algo sobre as mulheres da época da Reforma, teve que vasculhar arquivos de difícil acesso, enquanto as informações sobre os reformadores masculinos eram abundantes e há muito tempo conhecidas. A segunda descoberta foi que as mulheres não foram apenas esposas que apoiavam seus maridos e cuidavam da família, mas também conheciam bem a Bíblia e foram destemidas na divulgação das ideias da Reforma. Por causa do seu empenho e sabedoria, territórios inteiros tornaram-se protestantes. Não obstante a imagem depreciativa que se tinha das mulheres na época, havia aquelas que, por causa da sua fé evangélica, não temeram nem gozações, nem perseguição.
Com a proximidade do jubileu dos 500 anos, estão se multiplicando, na Alemanha, os livros que destacam a contribuição das mulheres. Além disso, é possível encontrar amplo material na internet, em língua alemã. Em dois livros, de edição recente2, encontramos um total de 15 biografias de mulheres da época da Reforma. Elas nos levam a diferentes partes da Europa, principalmente Alemanha, e nos mostram a grande influência que tiveram, apesar de sua condição de mulheres. É importante conhecer algumas mais de perto.
Mulheres que participaram do processo da Reforma Protestante
Mulheres de todos os grupos sociais participaram do processo e do movimento reformatório, desde o início. Motivadas pela nova doutrina que incentivava cada cristão a ler a Bíblia e expressar sua fé, elas também se sentiram livres para estudar as Escrituras e defender suas convicções. Algumas delas divulgaram sua fé evangélica por meio de poesias e músicas;
Esposas de Reformadores
As esposas dos assim chamados Reformadores são exemplos de engajamento pela causa. A mais conhecida é, certamente, a esposa de Martim Lutero, Catarina de Bora (1499-1552). Devido à sua personalidade forte e suas qualidades administrativas, Lutero a chamava por vezes de “meu senhor Käthe”, ainda que ela o chamava respeitosamente de “senhor Doutor”. Catarina teve que ser forte, considerando que teve seis filhos, dos quais dois não alcançaram a idade de adultos. Mas além dos próprios filhos, o casal chegou a criar mais oito filhos de parentes próximos. No grande convento, em que a família morava, sempre havia estudantes de teologia que alugavam quartos. Também eram acolhidas pessoas idosas e doentes, além de muitos visitantes dos mais diversos lugares que vinham a Wittenberg, para conversar com o Reformador. Lutero prezava a forma como Katharina gerenciava a casa, mas ele também a amava como educadora dos filhos e, não por último, como esposa que o animava em momentos de dificuldade e depressão. Catarina foi a primeira “esposa de Pastor” luterana (Pfarrfrau – Frau Pfarrer), e a “casa pastoral evangélica” o modelo para as próximas gerações.
Mas há outras mulheres que se destacaram, como Wibrandis Rosenblatt (1504-1564), que esteve casada consecutivamente com três reformadores: João Oekolampad, na cidade de Basileia, Suiça, Wolfgang Capito e Martin Bucer na cidade de Estrasburgo. Somando os filhos do primeiro matrimônio, deu à luz a onze filhos. Contudo, sua tarefa não foi apenas a criação dos filhos, mas também a gerência da casa com os muitos hóspedes, os quais não raras vezes eram refugiados, perseguidos por não terem “a fé certa”.
Mulheres da nobreza
Sabemos de mulheres da nobreza que se empenharam em favor da causa protestante, como a princesa Elisabeth de Calenberg (1510-1558). Como regente de Braunschweig-Lüneburg, introduziu a Reforma em seu território. Merece menção também Ursula de Münsterberg (nasceu entre 1491 e 1495 e faleceu após 1543). Ela se recusou a voltar ao convento de onde havia fugido. Quiseram levá-la a força para lá. Sua argumentação escrita sobre o motivo de sua resistência foi publicada, acompanhada de uma palavra de Lutero. Ela ajudou no processo de dissolução de muitos conventos, onde mulheres eram enclausuradas contra a sua vontade.
Uma das mulheres mais corajosas foi Argula de Stauff Grumbach (1492-1554). Ela se manifestou publicamente contra a condenação do professor da Universidade de Ingolstadt3, de nome Arsacius Seehofer. Ele havia defendido ideias da Reforma, apesar da proibição estrita dos duques da região, que não quiseram nem permitir que estas ideias fossem discutidas. Argula, então com a idade de 31 anos, já havia estudado a fundo a Bíblia, pois recebera um exemplar do seu pai quando tinha 10 anos de idade4. Seus argumentos no manifesto estão baseados em palavras bíblicas. Justificando sua manifestação como mulher, ela se baseia em Joel 2.28, onde o profeta prediz que chegará o dia em que também as filhas receberão o Espírito de Deus e profetizarão. Ela escreveu aos professores da Universidade, desafiando-os a argumentar teologicamente com ela – na presença das autoridades políticas. Por não ter aprendido latim, pediu que a disputa, para a qual viajaria a Ingolstadt, fosse em alemão.
Ela não recebeu nenhuma resposta por parte dos professores, mas seu marido perdeu o emprego. Este, infelizmente, continuou católico até o fim de sua vida, o que complicou muito sua vida familiar. Um dos argumentos que sustentava Argula foi At 5.29, onde o apóstolo Pedro diz que importa obedecer mais a Deus do que aos homens.
Sua carta foi publicada e amplamente divulgada, sendo reeditada treze vezes dentro de dois meses. Outros sete panfletos de Argula foram publicados, que, somados, alcançaram o número de 30.000 exemplares.
Mulheres da burguesia
Entre 1517 e 1525, quando então iniciou a Guerra dos Camponeses, uma forma comum de divulgar as novas ideias da Reforma era mediante manifestos (Streitschriften). Eram amplamente lidos por quem sabia ler. Travava-se verdadeiros combates por meio destes manifestos, às vezes recheados de insultos. Uma mulher da burguesia que ousou manifestar-se via imprensa foi Ursula Weyda (c. 1504-1570). Quando um abade do mosteiro de Pegau lançou um manifesto, acusando Lutero e seus seguidores de todos os males da época, como revoltas, decadência das universidades e ruína das cidades, ela reagiu com um outro manifesto, argumentando contra as acusações com seus conhecimentos bíblicos. Num dos seus textos encontram-se 79 referências bíblicas.
Elisabeth Cruciger (c. 1500 a 1535) é considerada a primeira poetisa do Protestantismo. Ela escreveu vários “hinos de Igreja”. Um deles ainda hoje faz parte do hinário da Igreja Evangélica da Alemanha5. Ela e o marido eram amigos do casal Lutero e moravam em Wittenberg. Lutero havia realizado o ofício de casamento do casal Cruciger.
Catarina Zell6 : Uma das mulheres mais extraordinárias, cuja vida queremos descrever com mais detalhes, foi Catarina Zell, nascida Schütz (c. 1497 a1562). Ela pregou publicamente e também foi uma diácona. Tem quem a chama de “Reformadora”.
Catarina foi filha de um marceneiro respeitado de Estrasburgo. Com boa formação intelectual, leu escritos de Martim Lutero e foi tocada pelo seu conteúdo. Escreveu que sentiu-se “como se alguém me puxasse da terra, do inferno atroz e amargo para o lindo e doce reino dos céus”7 .
Ela casou com Mateus Zell, que viera como sacerdote para a catedral de Estrasburgo. Mas logo começou a pregar no espírito de Lutero. Catarina era 20 anos mais nova do que ele. O casamento de um sacerdote ainda provocava muita revolta por parte das autoridades católicas. Por isso, Mateus Zell foi excomungado da igreja pelo bispo de Estrasburgo. Havia quem o defendesse e a própria Catarina começou a argumentar contra esta decisão, mandando “cartas fumegantes”8 ao bispo. Numa delas diz que ela vive numa comunhão harmoniosa com o marido e que não concorda com a suposta vida celibatária dos religiosos, “dos quais, não raro, sete mulheres estão grávidas ao mesmo tempo”9.
Argumentando contra a afirmação de que as mulheres devem permanecer caladas nas comunidades (1 Co 14.34), ela cita Gálatas 3.28 e Joel 2.2810 . Seu marido aceitava sua colaboração no anúncio do evangelho e a chamava de “auxiliar”.
Catarina deve ter sido uma mulher muito caridosa e prática. Quando, certa vez, 150 homens protestantes vieram refugiar-se em Estrasburgo, ela hospedou 80 deles na casa pastoral, cuidando de sua alimentação por quatro semanas. Estes 150 homens tinham sido expulsos de sua cidade, Kenzingen, e haviam deixado para trás suas esposas. Catarina escreveu-lhes uma carta de consolação.
Quando iniciou a Guerra dos Camponeses, Catarina foi com seu marido e o reformador Wolfgang Capito aos acampamentos dos revoltados, para convencê-los a tentarem um caminho sem violência. Não tiveram êxito. Numa batalha perto de Estrasburgo os camponeses foram vencidos e uma multidão de 3.000 refugiados invadiu a cidade. Catarina ajudou a dar-lhes abrigo durante meio ano.
Em 1529, Catarina hospedou os reformadores Zwingli e Oekolampad de Basileia, que se dirigiam a Marburg para um encontro com Lutero, a fim de buscar um entendimento sobre a Santa Ceia. Quando Catarina soube que não chegaram a um acordo, intrometeu-se na briga, escrevendo uma carta a Lutero, na qual ela o censura de não ter observado o amor que era mais importante do que todas as disputas doutrinárias. Catarina também se correspondia com outros reformadores e, certa vez, 30 deles se hospedaram na casa dos Zell. Com seu marido também empreendeu viagens, e até visitou Lutero em Wittenberg. Em 1534 editou um livro de canto, em cujo prefácio incentiva os cristãos a cantar durante o trabalho.
Aos 51 anos de idade faleceu seu marido. Na hora do seu sepultamento, Catarina também usou a palavra, dirigindo-se à comunidade. Visto que a sua prédica deu motivo para polêmica, escreveu uma justificativa, dizendo que não pretendia o ministério do pregador ou do apóstolo; mas, assim como Maria Madalena tornou-se uma apóstola, por ter sido enviada pelo próprio Senhor a testemunhar a ressurreição de Cristo, assim aconteceu com ela11.
Um ano após o falecimento de Mateus Zell, em 1548, Catarina escondeu, durante algumas semanas, os reformadores Martim Bucer e Paulo Fagius em sua casa, antes do seu exílio para a Inglaterra. Também acolheu um sobrinho que estava com sífilis. Quando não pôde mais cuidar dele em casa, encaminhou-o para uma instituição. Vendo as condições catastróficas desta instituição, escreveu um relatório ao Conselho da Cidade, sugerindo, entre outros, que deveria haver um acompanhamento espiritual para as pessoas ali internadas. Argumenta que entre os pacientes havia pessoas que nem sabiam orar o Pai-Nosso. Aí temos um exemplo de como ela havia trabalhado para melhorar as condições sociais da cidade.
Seus últimos anos de vida estavam marcados por doenças e pelo diálogo com a nova geração de pregadores protestantes. Uma ala de protestantes queria reformas mais radicais e condenava pessoas que divergiam de suas convicções. Catarina defendia que o amor cristão deve estar acima de todas as divergências e que não se deveria usar nenhuma violência. Por isso visitou na prisão um pregador protestante da linha radical e enviou cartas a Ludwig Rabus que difamava outros pregadores como Zwingli e seus seguidores. Ela lhe escreveu que assim ele estaria destruindo a Igreja em vez de edificá-la. Rabus lhe devolveu a carta sem tê-la aberto. Mas Catarina lhe enviou outra carta, recomendando que ele parasse de condenar, para não ser condenado. Na resposta a esta carta Rabus declara que ela tem uma “boca desavergonhada” (unverschämtes Maul). Não obstante, ela escreve mais uma vez, expondo-lhe também sua compreensão de Batismo e Santa Ceia. A fim de conseguir apoio para suas ideias apaziguadoras, publicou sua correspondência com Rabus.
A última publicação de Catarina é uma carta de consolo a Felix Armbruster. Este homem tinha sido um alto magistrado da cidade, mas havia contraído a lepra. Ele vivia fora dos muros da cidade, como “morto vivo”. Em sua carta de consolo Catarina interpreta para ele o Salmo 51 e o Pai-Nosso.
Catarina pregou mais duas vezes publicamente na sepultura de mulheres. Por terem sido seguidoras de anabatistas (Wiedertäufer), nenhum pregador quis sepultá-las, sem dizer que tinham se desviado da Igreja de Jesus Cristo. Uma delas foi sepultada de madrugada, às escondidas. O Conselho da Cidade quis processá-la por isso, mas ela faleceu, antes que isso acontecesse.
Em Catarina temos um exemplo de testemunha do evangelho em palavra e ação. Nas suas concepções teológicas encontramos pontos de vista defendidos hoje pela teologia feminista, quando, por exemplo, diz na sua interpretação do Pai-Nosso que Deus também pode ser comparado a uma mulher, que conhece as dores de parto e a alegria de uma mãe que amamenta.
Martim Lutero e sua visão da mulher
Com a doutrina do “sacerdócio geral de todos os crentes”, deduzido principalmente de 1 Pedro 2.9, Lutero contribuiu para a reabilitação e valorização da mulher. Mas, para esta valorização também ajudou o conceito de Deus: “Deus é o Deus que se dá aos seres humanos quando uma mulher fica grávida e dá à luz ao Filho de Deus.12” E ainda: Homem e mulher fazem parte da boa criação de Deus e ambos foram criados à imagem de Deus (Gn 1), e, pelo Batismo, vale o que o apóstolo Paulo escreve em Gálatas 3.26-28: homem e mulher são um em Jesus Cristo.
Baseando-se no testemunho bíblico, Lutero pôde formular: “Todos nós somos conjuntamente consagrados sacerdotes pelo batismo.13 Lutero prezava a mulher como educadora dos filhos, pois considerava esta tarefa “a obra mais nobre e preciosa do mundo”14. Ele diz que pai e mãe são responsáveis pela educação. Consequentemente, o pai não deveria esquivar-se de também participar de tarefas “insignificantes”, que fazem parte da criação dos filhos, como embalar o bebê e lavar as fraldas. Visto que a educação era importante para meninos e meninas, Lutero empenhou-se pela criação de escolas para ambos os sexos.
No entanto, Lutero também estava “profundamente preso à estrutura patriarcal de seu tempo”15. Por isso, não conseguiu ser coerente na sua posição de igualdade dos sexos. Segundo algumas afirmações, o homem ainda tinha um status mais elevado do que a mulher, porque a mulher, no seu entender, tem uma índole e inteligência mais fraca. Seu argumento: Foi por causa da fraqueza da mulher que o diabo tentou a Eva, em forma de cobra, e foi bem sucedido, o que não teria acontecido assim com Adão. E Lutero continua: “Mesmo que Eva tenha sido uma criatura excelente, e foi igual a Adão, no que diz respeito à justiça, sabedoria e salvação, ela não deixou de ser uma mulher. Pois, assim como o sol é uma criatura mais nobre do que a lua (se bem que a lua também é excelente e magnífica): assim a mulher não foi igual ao homem em honra e dignidade, ainda que tenha sido uma obra de Deus muito linda”16.
Lutero foi contraditório na sua posição referente às mulheres. Por um lado, afirmava que, como castigo pelo seu pecado, a mulher ficou subordinada ao homem, tendo como tarefa principal gerar e criar filhos. Seu meio de influência ficaria restrito à sua casa, e não caberia a ela intrometer-se em questões políticas ou eclesiásticas. Em virtude de sua menor capacidade intelectual, teria apenas competência para as tarefas domésticas. Não ficava bem para a mulher usar palavras eruditas, porque “não há saia que fica tão mal para a mulher, casada ou solteira, do que querer ser inteligente”17.
Por outro lado, sabemos das cartas à sua esposa Catarina, que ele também pedia sua opinião sobre questões político-eclesiásticas. Um exemplo foi o relatório que lhe mandou sobre a conversa com Zwingli, Oekolampad e Bucer, informando-a sobre pontos de vista teológicos divergentes, referentes à Santa Ceia, escritos em latim. Um outro exemplo é a sua correspondência com Argula de Grumbach, na qual não se encontra nenhuma palavra de repreensão, por ter desafiado os professores da Universidade de Ingolstadt a discutir com ela. Pelo contrário, ele a chama de “discípula de Cristo” e “um instrumento especial de Cristo”. O mesmo se observa na correspondência com Catarina Zell. Lutero sugere que ela assuma a tarefa político-eclesiástica delicada de ajudar a estabilizar a unidade entre os teólgos de Wittenberg e Estrasburgo. E, não obstante ser de opinião que uma mulher não é capaz de exercer liderança poítica ou eclesiástica18, ele escreveu a algumas mulheres regentes, como Maria da Hungria e Catarina da Saxônia, que continuassem a promover a Reforma em seu território.
Consequências imediatas da Reforma para a vida da mulher e os ministérios19
O conceito da Igreja medieval sobre a mulher estava marcado por um dualismo acentuado. De um lado estava a mulher celibatária nos conventos, cujo status religioso era considerado o mais elevado e perfeito. No lado oposto estava a mulher casada, considerada quase que um ser de segunda ordem. Numa procissão, por exemplo, as mulheres formavam o último grupo, e, durante certos períodos, como da menstruação e da gravidez, não podiam participar da ceia da comunhão, nem frequentar a igreja.
A Reforma mudou estes conceitos. Lutero defendia que Deus instituiu o matrimônio, enquanto o status da monja, bem como o do monge, eram invenção humana. No matrimônio, homem e mulher teriam a mesma dignidade, ainda que a mulher deveria ser submissa ao homem. Gestações muito seguidas não deveriam ser problema, uma vez que a tarefa da mulher era gestar filhos.
Assim, o lugar de atuação da mulher ficou restrito ao da família e sua casa. O que não foi considerado neste novo conceito foi que, por causa do excedente numérico de mulheres, nem todas teriam a oportunidade de constituir uma família20. As mulheres que deixaram os conventos e não conseguiram casar, foram as mais prejudicadas, porque ainda perderam o que estas instituições lhes haviam garantido: uma certa formação, proteção e amparo religioso.
Nos princípios teológicos da Reforma havia, desde o início, um potencial muito alto para a emancipação e participação da mulher na Igreja protestante. O sacerdócio geral de todos os crentes também poderia ter aberto um espaço para o sacerdócio da mulher. Uma outra porta poderia ter sido a doutrina da justificação pela fé e a consequente igualdade de homem e mulher em Cristo. Estas portas também foram usadas por algumas mulheres. Mas houve estagnação das iniciativas, porque, a partir da ambiguidade de posições de Lutero, predominou, enfim, a visão da inferioridade e da falta de inteligência da mulher.
A Reforma não criou ministérios para a mulher. Talvez, até por motivos práticos. Um deles era o número grande de homens que se candidatava ao ministério pastoral. Pois muitos monges, egressos dos mosteiros, queriam ser pregadores. Na busca por emprego, os homens, naturalmente, levariam vantagem sobre as mulheres. Um outro motivo pode ter sido o receio de que a aceitação de um sacerdócio da mulher pudesse levar consigo muito dinamite às já numerosas disputas reformatórias.
A diaconia teve um lugar importante na teologia da Reforma de Martim Lutero. Isto mostra uma frase no prefácio ao Regulamento da caixa comunitária em Leisnig, onde Lutero diz que não conhece “maior culto a Deus do que o amor cristão que ajuda e serve aos carentes”21. Para fazer frente à pobreza e eliminar a mendicância, Lutero via nas “ordens da caixa comunitária”22 uma solução. Caixas de dinheiro para ajudar pessoas empobrecidas, até que pudessem sustentar-se a si mesmas, foram introduzidas em todas as cidades grandes e pequenas, no curso de poucas décadas. Para administrar estas caixas, ao lado de outras tarefas, foram instalados diáconos. Diz Strohm: “O ministério dos diáconos tornou-se uma instituição óbvia nas ordens eclesiásticas e assistenciais da Reforma”23. Nesta estrutura eclesiástica, porém, não havia espaço para mulheres. Também não durou muito, e os diáconos desapareceram outra vez das igrejas luteranas, porque o cargo do pastor impôs-se como ministério eclesiástico decisivo. A maior parte das atribuições dos diáconos foi transferida para as instâncias da autoridade civil24.
Foram necessários 300 anos para criar um diaconato feminino e 400 anos para um pastorado feminino em Igrejas Luteranas.
Diaconato e educação cristã no século XIX
A fixação da atividade da mulher ao ambiente doméstico trouxe sofrimento para muitas mulheres no decorrer dos séculos. Pois com isto não foram atingidas somente as mulheres solteiras, mas também aquelas que se sentiram chamadas para contribuírem com seus talentos para o bem da sociedade. A Reforma luterana incentivou a criação de escolas também para meninas, para que pudessem ler a Bíblia e educar bem seus filhos. Mas não lhes foi permitido avançar para o ensino superior e exercer uma profissão fora de casa.
No século XIX, algumas mulheres se opuseram a este enclausuramento, transgredindo as regras. Houve vitórias. Em 1890, a primeira mulher recebeu a licença para estudar Economia Política, Política Social e Estatística Social, na Universidade em Berlim. Foi Elisabeth Gnauck-Kühne25. Para a maioria das pessoas da sociedade de então, esta atitude foi um escândalo, porque mulheres que estudavam eram “monstruosidades”, pois, segundo opinião difundida, a atividade intelectual prejudicava as funções biológicas da gestação e criação de filhos. Oficialmente, mulheres na Alemanha só puderam estudar numa Faculdade a partir de 1909.
No ano de 1800 nasceram Theodor Fliedner e Friederike Münster, que, mais tarde, casaram. Este casal reconheceu o potencial da mulher para um trabalho diaconal e catequético. Reconheceram também que isto exigia formação. Assim, mulheres foram preparadas para as profissões de enfermagem e educação infantil. Até então só havia professores homens. Theodor Fliedner se auto-denominou de “o renovador do ministério apostólico das diaconisas”. As mulheres que se dedicariam ao cuidado de doentes, foram chamadas de diaconisas. As primeiras foram consagradas em 1844, em Kaiserswerth.
Fliedner havia descoberto, não só duas ocupações e profissões que deram realização profissional para inúmeras mulheres no decorrer da história, mas também um ministério eclesiástico para elas. Infelizmente, Fliedner não conseguiu integrá-lo na estrutura eclesiástica. No entanto, ao assumirem uma responsabilidade permanente e pública na Igreja, as diaconisas sempre se entenderam como mulheres que exercem um ministério eclesiástico. No auge do desenvolvimento, na virada do século, o número de diaconisas foi uma vez maior do que o dos pastores, na Alemanha.
O diaconato masculino foi resgatado na Igreja Luterana na Alemanha por Johann Hinrich Wichern (1808-1881). Este formou diáconos e também os consagrou para o ministério eclesiástico. Mulheres foram aceitas, mais tarde, como diáconas. No Brasil, as primeiras assumiram o ministério em 1976.
Notas:
1. JUNG, Martin H.. Keine Reformation ohne Unterstützung der Frauen. Disponível em: www.buero-fuer-chancengleichheit.elk-wue.de. Jung é Professor para Teologia Histórica e História Eclesiástica em Osnabrück, Alemanha.
2. KOCH, Ursula. Die gelebte Botschaft: Frauen der Reformation. Hamburg: Agentur des Rauhen Hauses. 2010.
DOMRÖSE, Sonja. Frauen der Reformationszeit. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2011, 2010.
3. A cidade está situada às margens do rio Danúbio, no sul da Alemanha.
4. Antes que Lutero traduzisse a Bíblia para o dialeto, que se tornaria a língua oficial na Alemanha, havia traduções para outros dialetos.
5. A primeira linha deste hino é: “Herr Christ, der einig Gotts Sohn”.
6. DOMRÖSE, 2011, p 45-58.
7. DOMRÖSE, 2011, p. 46-47.
8.  DOMRÖSE, 2011, p. 47.
9.  DOMRÖSE, 2011, p. 47.
10.  Escreveu também que nem espera que a ouçam como a Isabel, ou João Batista, Natã ou um outro profeta, mas como Balaão escutou a jumenta (Nm 22). Pois seu desejo era que juntos fossem salvos.
11.  DOMRÖSE, 2011, p. 51
12. DREHER, Martin. Sexualidade: Matrimônio - Bigamia - Divórcio - Prostituição, Introdução ao Assunto. In: Comissão Interluterana de Literatura São Leopoldo, Martinho Lutero. Obras Selecionadas. 5. v., São Leopoldo e Porto Alegre: Co-Editoras Sinodal e Concórdia, 1995. p. 154.
13. DOMRÖSE, 2011, p. 144.
14. DOMRÖSE, 2011, p. 143. Esta posição foi defendida por Lutero no seu escrito “An die Ratsherren aller Städte deutschen Landes, dass sie christliche Schulen aufrichten und halten sollen”.
15. DREHER, 1995, p. 158s.
16.  DOMRÖSE, 2011, p. 139.
17.  DOMRÖSE, 2011, p. 141. Um dos seus argumentos foi que a inteligência e a tarefa são dedutíveis da constituição física. O homem, por ter o peito mais largo, é também mais inteligente, e a mulher, por ter os quadris mais largos, está predestinada a ficar em casa, para criar os filhos.
18.   DOMRÖSE, 2011, p. 143.
19.  DOMRÖSE, 2011, p. 145-148.
20.   DOMRÖSE, 2011, p. 146. Calcula-se que nas cidades havia um excedente de 10% de mulheres.
21.   STROHM, Theodor. “Theologia da diaconia” na perspectiva da Reforma”. In: NORDSTOKKE, Kjell (Org.) A diaconia em perspectiva bíblica e histórica”. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2003. p. 163.
22.  NORDSTOKKE, 2003, p. 165.
23.  NORDSTOKKE, 2003, p. 166.
24.  NORDSTOKKE, 2003, p. 167.
25. BUSSMANN, Magdalene. “Elisabeth Gnauck-Kühne oder Der Mut zur Veränderung”. In: WALTER, Karin (Org.) “Sanft und Rebellisch”. Basel.Wien: Ebner Ulm (Hersteller) 1990. p. 88-100. Aos 14 anos de idade, Elisabeth quis estudar, a fim de preparar-se para uma profissão. A única permitida foi a de professora. Estudou num Seminário para professoras e exerceu a profissão. Quando decidiu casar, perdeu a licença de lecionar. Após muita luta, conseguiu a vaga na Universidade de Berlim.










2 comentários:

  1. Queridas,
    em vistas do nosso projeto de estudo bíblico-teológico acerca de hermenêutica luterana feminista e de análise sobre textos bíblicos básicos para a Reforma, gostaria que vocês comentassem a seguinte questão:
    O que é que promove a Cristo (was Christum treibet), princípio hermenêutico-teológico central para Lutero, hoje, para nós mulheres e entre nós? O que não promove a Cristo?
    Fico no aguardo de seus comentários!

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  2. Legal, gostei do texto de Cibela e Vera!
    Espero que a gente receba mais reações à questão acima.
    Abração

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