POLÍTICA E JUSTIÇA DE GÊNERO

Política de Justiça de Gênero  

Federação Luterana Mundial



A conclamação bíblica para defender a justiça está no próprio cerne da autocompreensão da Comunhão FLM. A graça de Deus nos liberta, congrega em Cristo e capacita a viver e trabalhar em conjunto em prol da justiça, paz e reconciliação.
A FLM está comprometida a ser inclusiva e possibilitar a participação plena e equitativa de mulheres e homens na vida da igreja e na sociedade, bem como
em seus processos de tomada de decisões, atividades e programas. Ela tem um histórico de decisões e ações que expressam esse compromisso.
Esta Política de Justiça de Gênero, aprovada pelo Conselho da FLM em 2013, é uma ferramenta que visa a incrementar a caminhada da Comunhão rumo à inclusividade. Desenvolvida em um processo participativo, ela surgiu a partir de experiências de igrejas-membro. É enriquecida pelas bases bíblicas e teológicas de nossa identidade luterana e oferece orientação e metodologias para contextualizar planos e estratégias de ação nas regiões e para integrar a questão de gênero como prioridade transversal em todo o trabalho da Comunhão.
Assim como o compromisso histórico da FLM de superar a violência contra as mulheres e sua reafirmação das mulheres em posições de liderança, a Política de Justiça de Gênero representa mais um marco à medida que a FLM caminha rumo à realização de sua visão de inclusividade.
O itinerário desenvolvido nesse documento abre janelas de oportunidades para se engajar em movimentos de mudanças nas relações e estruturas. É um convite para que todo o mundo – particularmente líderes de igrejas, teólogos e teólogas, mulheres e homens em posições de liderança e de tomada de decisões, as gestoras e os gestores de programas e projetos – reafirme a justiça de gênero como uma questão de fé. Assim, a justiça de gênero aponta para dimensões fundamentais do ser da igreja e sua voz profética no espaço público.
A Política de Justiça de Gênero chega às suas mãos em uma época em que as mulheres continuam se defrontando com desafios na igreja e na sociedade
e os homens continuam a ouvir a conclamação de Deus em prol de relações baseadas na justiça. Ela é publicada em um momento no qual a Comunhão da
FLM ouve o chamado para a renovação contínua (semper reformanda) em seu processo de preparação para o 500º aniversário da Reforma Luterana em 2017. Eu a recomendo ao estudo orante e ao discernimento de vocês, para que ela encontre formas de se expressar nas estruturas e na vida da igreja. Porque as relações de gênero também estão sujeitas ao poder transformador de Deus, elas podem ser renovadas para se tornar justas e equitativas.
Rev. Martin Junge
Secretário-geral
Federação Luterana Mundial

POLÍTICA DE GÊNERO DA FLM


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Política para la Justicia de Género en las iglesias de América Latina y El Caribe - FLM 

Contextualización e implicaciones para la comunión de iglesias luteranas 

MEMÓRIA DEL SEMINARIO:

Memoria del Seminario de Politica de Género



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JUSTIÇA de GÊNERO

     Pertencemos ao gênero humano. Dos 23 pares de cromossomos que nos formam apenas um nos diferencia: XX para as mulheres e XY para os homens. Em função desta diferença congênita convencionou-se classificar as mulheres como sendo do sexo feminino e os homens do sexo masculino. Em sentido biológico, portanto, nascemos do sexo feminino ou masculino. O mesmo não se pode dizer em sentido cultural. Em cada sociedade, meninas e meninos são educadas e educados, dia após dia, através de discursos, silêncios e vivências para assumirem os papéis de mulher e homem em idade adulta.
     As identidades femininas e masculinas, portanto, são construídas a partir de interesses culturais, religiosos, raciais, políticos e econômicos da sociedade na qual uma pessoa está inserida.
Respondendo a interesses próprios de cada sociedade:
- meninas e meninos foram ensinadas e ensinados a se comportar de forma diferenciada;
- foram estimuladas e estimulados a reproduzir, em suas brincadeiras, o que a sociedade estipulava como sendo feminino ou masculino;
- receberam presentes em datas especiais de acordo com o que a cultura da sua sociedade estabelecia como sendo próprio para cada sexo;
- foram educadas e educados para o trabalho e a vida profissional em função, primeiramente, do seu sexo e não de sua capacidade para o exercício da mesma;
- ouviram histórias infantis nas quais as mulheres, em geral, dependiam da proteção e da decisão do homem;
- habituaram-se a conviver com uma linguagem (oral, visual, corporal e escrita) que, muitas vezes, desmerecia o sexo feminino e a aceitar a linguagem masculina como sendo universal e inclusiva;
- o uso de determinadas cores nas vestimentas e uso de adornos/enfeites no corpo correspondia ao estabelecido para mulheres e homens naquela sociedade,
- numa relação adulta no matrimônio, mulheres e homens estabeleciam acordos (muitas vezes silenciosos) na vida cotidiana correspondentes ao que haviam aprendido dos papéis que cabiam às mulheres e aos homens, nem sempre, firmados numa relação de igualdade;
- as funções de representação, de chefia e de decisão cabiam, por excelência, aos homens; as mulheres ficavam mais restritas ao espaço privado da casa e eram tidas como auxiliadoras em casa, na igreja e nos espaços de trabalho/negócios.
- o trabalho das mulheres no espaço de sua casa e, mesmo, mais tarde, no espaço público (nas indústrias, escolas, igrejas e casas de família), em geral, foi atribuído de menor valor que o dos homens;
- o corpo de mulheres foi manipulado como objeto masculino por muito tempo; sua vontade, suas necessidades e suas capacidades foram ignoradas.
- textos bíblicos mal interpretados foram utilizados para inferiorizar as mulheres e afirmar a superioridade dos homens.
- historicamente, em muitas situações, também se exerceu relações de opressão sobre pessoas do mesmo sexo, a partir de diferenças raciais, culturais, econômicas e religiosas: mulheres oprimiram mulheres e homens oprimiram homens!

    Concluindo: Ao longo da história da humanidade cada pessoa foi educada para ser mulher ou para ser homem. Esta construção de identidades feminina e masculina, em sociedades marcadamente patriarcais, resultou em relações injustas e desiguais entre mulheres e homens, nas quais o exercício do poder - de poder ser, de poder decidir, de poder fazer algo – se mostrou desequilibrado! Além disso, interesses raciais, econômicos, religiosos, políticos e culturais fortaleceram relações desiguais de poder entre as pessoas, de modo geral.


A partir de Jesus Cristo primamos
por relações de gênero
fundamentadas na justiça e na igualdade.


     Reflita sobre a compreensão de JUSTIÇA e de IGUALDADE nas relações de gênero a partir do testemunho bíblico e sua correlação com a vida em família, em comunidade e na sociedade.

Assim Deus criou os seres humanos [...], 
homem e mulher os criou(Gênesis 1.27);

Ame o Senhor, seu Deus e
ame a teu próximo como a ti mesmo”
(Marcos 12.31s);

Não existe mais diferença
entre judeus e não-judeus,
entre escravos e pessoas livres, 
entre homens e mulheres
(Gálatas 3.28).

Pa. Scheila dos Santos Dreher
Paróquia Ev. de Confissão Luterana do Parecis/MT  - Brasil
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A CATEGORIA DE GÊNERO

A categoria de gênero foi uma descoberta relevante da Antropologia, durante as décadas de 70 e 80, e tem sido uma contribuição importante para a leitura hermenêutica feminista na América latina. “A categoria de gênero enfatiza o caráter social das distinções construídas a partir das diferenças biológico-sexuais. A construção de nossas identidades femininas e masculinas depende mais da nossa cultura do que da nossa anatomia. Pois não é verdade que as chamadas “características” de mulheres e de homens sejam “naturais”, mas elas vão sendo construídas, assumidas, introjetadas e reproduzidas por mulheres e homens”, afirma Ivoni Reimer. A visão androcêntrica do mundo, no entendimento de Ivoni Reimer, não é apenas um problema da Igreja, mas é comum ao texto bíblico e nem os evangelistas conseguem escapar.  “... Lucas, assim como os outros evangelistas, faz uso da linguagem típica do mundo. É a linguagem androcêntrica, aliás, em uso em dias atuais. Essa linguagem é centrada no homem e toma como ponto de referência, o homem e suas experiências.”
A questão de gênero traz à tona o tema da construção dos corpos, assunto abordado por Pierre Bourdieu no livro A Dominação Masculina. Pois será no corpo e por causa dele que as diferenças dos sexos masculino e feminino, serão externadas na vida social. “A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho.” Neste sentido, afirma Bourdieu, aos homens é legado o espaço do mercado, da praça pública; quanto às mulheres, o espaço da casa, especialmente o interior dela. Se a divisão social do trabalho, segundo Bourdieu, é uma construção cultural, ela pode ser objeto de transformação. Mas, no entanto, o que a historia pessoal de muitas mulheres mostra é que vencer a barreiras sociais não é suficiente, pois muitas acabam vitima de uma culpabilização por causa de uma visão que fora introjetada desde a infância de que lugar da mulher é na “cozinha”.
O corpo feminino, segundo Pierre Bourdieu, é domado, dentro de uma violência simbólica, que impõe à mulher uma moral diferenciada do homem, que inclui gestuais de levantar-se, baixar-se, forma de olhar19. A violência simbólica, segundo Bourdieu, é instituída por intermédio de uma concessão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante. O teólogo da libertação Leonardo Boff confirma que o sexo pode ser um instrumento para manter a superioridade do mundo masculino e alerta contra todo tipo de dominação, seja ela patriarcal ou matriarcal. “A relação entre os dois sexos nunca é natural é humana, vale dizer, cultural, conflitual, dentro de certa maneira de distribuir os papéis e o poder social. Aqui abre-se a possibilidade e também a realidade histórica da luta dos sexos, (Beauvoir) da mútua dominação (patriarcalismo ou matriarcalismo) bem como a emergência de formas superiores de colaboração e fraternidade.”
      Os estudos de gênero mostram, como afirma a teóloga Luiza E. Tomita, que as diferenças dos sexos, antes percebidas como naturais, não podem ser atribuídas à natureza, mas à cultura. “Os estudos de gênero nos vão ensinar que não é a natureza, mas a cultura que determina a condição diferenciada entre homens e mulheres. Assim não é a natureza que determina o âmbito do privado para as mulheres e o âmbito do publico para os homens, mas desde cedo as meninas são treinadas para serem boas donas de casa, cuidar dos filhos e das tarefas domésticas. Do mesmo modo os meninos são treinados para se tornar bons profissionais, ocupar cargos de chefia ou responsabilidade pública.”



Para ressaltar e exemplificar a importância da categoria de gênero na leitura feminista da Bíblia, Ivoni Reimer destaca dois aspectos:

a) “Ela se torna importante porque evidencia que a teologia precisa
aprofundar sua reflexão e ação feministas, questionando e rompendo
com os parâmetros patriarcais e androcêntricos das ciências sociais e
teológico-pastorais. Pois neles a mulher, além de ser desqualificada na
sua humanidade e capacidade, também é desapropriada de sua
dignidade e silenciada em sua experiência e resistência. O sistema
patriarcal – e, portanto as ciências que trabalham com paradigmas
patriarcais - é dualista, sexista e hierárquico, no qual o homem
poderoso/branco é o principio organizativo e normativo de todas as
coisas”.

b) “A categoria de gênero possibilita que nossas experiências cotidianas
sejam levadas a sério como fonte e reflexão teológicas, como processo
de conhecimento e como autoridade nos processos decisórios de
exercício de cidadania. Nosso cotidiano é como uma rede ou como um
tecido, no qual se cruzam diversos mecanismos de desigualdades de
gênero, sociais, econômicas, culturais, religiosas, étnicas e de idade.
Partir desse cotidiano de nossos corpos significa romper com o
silenciamento e invisibilização de mulheres como agentes em processos
fundantes e fundamentais da vida humana e social, desmascarando e
denunciando praticas e discursos que desconsideram as diferenças ou
fazem delas elementos fundantes e legitimadores de desigualdades
definidas então como “naturais”.

Continue lendo mais sobre o assunto e 
confira todas as citações na tese de Silvana Venâncio:

UMA ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA 
DA HERMENÊUTICA FEMINISTA NA AMÉRICA LATINA

Disponível em: 
http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2008/relatorios/ctch/teo/teo_silvana.pdf



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MULHERES NO MINISTÉRIO
Celebrando 30 anos de Ordenação na IECLB


Resoluções do Encontro

Dos dias 13 a 15 de novembro de 2012, cento e uma ministras participaram do Encontro Nacional de Ministras Ordenadas da IECLB, em Curitiba/PR. Um dos principais objetivos do encontro foi celebrar os 30 anos de reconhecimento público de mulheres no ministério ordenado. O encontro foi uma  oportunidade de reencontro e de debate em torno de temas que dizem respeito à Igreja e, de forma especial, às ministras. Temas como as celebrações dos 500 anos da Reforma Protestante, a presença de mulheres em cargos de liderança e a política de gênero estavam na pauta de discussão. Queremos compartilhar o resultado dessas discussões.
Sobre as comemorações alusivas aos 500 anos da Reforma Protestante, as ministras presentes no encontro sugerem:
- Em observância à recomendação da Federação Luterana Mundial (FLM), que sugere a participação mínima de 40% de mulheres em todas as comissões e representações de suas Igrejas-membro, que a Presidência da IECLB elabore um documento oficial, referendando o direito de participação e representação de mulheres ordenadas no planejamento e nos festejos dos 500 anos, garantindo, dessa forma, a equidade de gênero nas representações ecumênicas.
- Elaboração de materiais sobre a participação de mulheres na Reforma Protestante para subsidiar a reflexão e o estudo sobre o significado da Reforma para as mulheres hoje.
- Que se zele para que, nos diferentes materiais publicados na IECLB, a Reforma Luterana seja contemplada também na perspectiva da mulher. A partir de um mapeamento da participação das mulheres nos conselhos editoriais dos materiais publicados, é possível motivá-las para que garantam a inclusão do tema nas pautas.
- Elaboração de material com subsídios bíblico-teológicos sobre a ordenação de mulheres.
- Que se elabore um folder e um folheto evangelístico contendo fotos de ministras, dos diferentes ministérios da IECLB, com as vestes litúrgicas, com textos explicativos acerca da posição da IECLB em relação às mulheres no ministério.
- Produção de um vídeo, a partir do evento dos 30 anos de ordenação de mulheres no ministério, associado aos 500 anos da Reforma, com subsídios e imagens desse evento. Vídeo para a divulgação dos 500 anos da Reforma e a presença das mulheres nesse processo.
Detalhamento da proposta do vídeo ou filme a ser elaborado: pode mostrar o caminho já percorrido nesses 30 anos, vinculando-o com as comemorações em torno dos 500 anos da Reforma. Na página 3, do texto trazido pela irmã Ruthild Brackemeier, está escrito sobre Catarina Zell que, após ter sido criticada, fundamentou sua ação como pregadora durante o sepultamento do marido, no envio recebido pelo próprio Senhor Jesus Cristo, que enviou Maria Madalena a testemunhar a ressurreição. Por isso, o vídeo deve concluir que todas nós não defendemos a ordenação de mulheres para escandalizar “os mais pequeninos na fé”, mas em cumprimento à ordem dada por Jesus ressuscitado à Maria Madalena.
Também se pode mencionar o que está escrito na página 50 do livro “Frauen der  Reformationszeit”, escrito por Lutero: O vinho é forte, o rei é mais forte, as mulheres são mais fortes, mas a verdade é mais forte ainda.
- Que as ministras ocupem diferentes espaços e publicações existentes na IECLB para o registro da história do trabalho das mulheres no ministério desta Igreja.
Quanto ao tema “Mulheres ocupando espaços de liderança na Igreja”, as conclusões do encontro são:
- Seguir com os Encontros de Ministras em âmbito sinodal, nacional e intersinodal, focando na formação e capacitação de ministras e mulheres líderes.
- Organizar um encontro nacional para 2015 (dois anos antes do auge das comemorações dos 500 anos da Reforma).
- Realizar uma oficina sobre Gênero na Convenção Nacional, que acontecerá no 2º semestre de 2013, que na plenária do encontro as pessoas que forem palestrar tenham em seu horizonte e em suas falas presente a dimensão de gênero.
- Assegurar que algum dos próximos “Temas do Ano” seja sobre Jesus e sua postura de igualdade em relação a homens e mulheres.
- Promover ainda mais a participação de mulheres em espaços de liderança na IECLB, através da capacitação para exercer bem esse papel de liderança em cargos oficiais nos diferentes órgãos diretivos da Igreja.
- Aceitar a indicação para concorrer a cargos e ocupar de forma mais otimizada os espaços de representação nos quais já somos representantes, também os ecumênicos, como CONIC, CLAI, CESEP, já que os 500 anos de Reforma não é um evento apenas da Igreja Luterana. Por isso, deve-se buscar o máximo de envolvimento de outras denominações cristãs em torno dessas festividades e sua importância para o ministério e engajamento das mulheres.
Constatamos que sempre houve uma significativa participação de mulheres no serviço da igreja. É necessário ampliar, visibilizar e reconhecer essa participação em espaços estratégicos de poder e tomada de decisões sobre vários assuntos muito caros à vida das comunidades. Propomos a criação de um processo que viabilize a construção de uma Política de Gênero na IECLB e que promova a justiça de gênero no todo da igreja. Sentimo-nos comprometidas a responder ao chamado de Jesus que nos convida a construir um mundo de justiça e reconciliação a toda a criação. Afirmamos que uma política de gênero é importante:
- porque justiça de gênero é política eclesiástica e tem a responsabilidade de viabilizar espaços de comunhão justos, inclusivos e libertadores.
- porque a construção de justiça de gênero requer a participação de todas as pessoas;
- porque existe desigualdade nas relações humanas na igreja;
- porque precisamos de construções normativas que implementem equidade e orientem as relações para a justiça.


Curitiba, 15 de novembro de 2012.

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Poder y violencia a partir de la 

óptica de la mujer. 


¿Por qué discutir el poder?

     La discusión sobre el poder parece ser más larga que nunca. En todas las partes, las personas cuestionan, preguntan y proponen nuevas alternativas para este tema. Las mujeres traen una contribución específica, pues, además de cuestionar las relaciones actuales, cuestionan también la forma como se ejerce el poder, o sea, cuestionan la formación de su concepto y la autoridad de quien lo construye. Esta postura es el resultado de las conquistas políticas y sociales de las mujeres en los últimos siglos.
     Las conquistas políticas de las mujeres, se suman al derecho al voto, al estudio, a la independencia financiera y a la autonomía frente a la autoridad masculina/paterna. Hoy las mujeres representan el 44,4% de la población económicamente activa. El 26% de las familias se sostienen solamente por mujeres. El 40% de los carros vendidos contemporáneamente son adquiridos por mujeres. Ellas también frecuentan más la universidad, buscando calificación profesional: el público femenino representa el 55,6% de los universitarios. En la política, además de la conquista del derecho al voto, adquieren el derecho a las candidaturas. A cada partido político brasileño, se le recomienda una plantilla con cerca del 30% de candidatas. Así, las mujeres participan cada vez más de las actividades políticas, sea como electoras, o como candidatas y líderes (senadoras, prefectas, jueces, etc). A pesar de tantas transformaciones, la mujer todavía enfrenta preconceptos sociales y culturales.
    El preconcepto social y cultural se manifiesta, por ejemplo, en el salario diferente. Aunque posean el mismo grado de instrucción las mujeres, los hombres reciben, por lo general, un salario 50% superior. Muchas empresas dejan de contratar a mujeres casadas entre los 25 y 35 años, por considerar que se trata de un grupo de riesgo, en el cual la mujer desea tener hijos . El cuerpo de las mujeres cada vez es más explotado como objeto sexual para vender carros, bebidas, turismo, etc. El preconcepto cultural también se revela en la violencia contra la mujer. Aún con todas las conquistas arriba citadas, la violencia contra la mujer a nivel psicológico, económico, físico y sexual sucede sin discriminación de clase social y grado de instrucción. Por otro lado, en este campo, se ha construido una red de apoyo cada vez mayor para las mujeres en situación de riesgo, a través de delegaciones de mujeres, casas de protección y asistencia jurídica. De acuerdo con la investigación hecha por la Casa de Asistencia Viva María, de Porto Alegre, el 68% de las mujeres que recibieron protección a través de la casa no volvieron a sus relaciones violentas. Con la discusión sobre la problemática de la violencia, las mujeres están aprendiendo, a través del estudio/cualificación, a cuidar de otras mujeres en situación de riesgo. Pero la discusión sobre el poder no se restringe al ámbito público, se refiere también al ámbito de la vida privada.
     Debido a las conquistas de las mujeres en el ámbito público, la vida en su aspecto privado, es decir, en el hogar, también ha sufrido cambios en los últimos siglos. La instrucción y el poder adquisitivo sacaron a la mujer del lugar de completa sumisión en relación al hombre, también ha llevado a una nueva distribución de tareas domésticas. Ahora, las tareas y responsabilidades referentes a la casa, los niños, las compras, etc, son en muchos casos, compartidas. El diálogo sobre cada uno de estos puntos se vuelve un desafío, pues hay una cuestión de poder referente al género. Por ejemplo, todavía es la mujer, en la mayoría de las veces, la que se responsabiliza por llevar los niños al médico. Todavía es la mujer la que, al llegar a la casa, encuentra tiempo para recoger y organizar la casa, asumiendo una jornada doble de trabajo. Además, la mujer continúa teniendo que pagar el precio por su belleza y sensualidad.
     De esta manera, las conquistas en el mundo público influyen también en el mundo privado, exigiendo una remodelación de los papeles masculinos y femeninos. Por otro lado, todavía existe cierta dificultad en la búsqueda de modelos, pues las transformaciones sociales y políticas referente al género son relativamente recientes. Así, muchas mujeres todavía no entran en la renegociación de tareas y responsabilidades y tampoco se colocan el cuestionamiento siguiente: ¿será propio del hombre realizar tareas domésticas? ¿Será propio de la mujer tener una profesión? El resultado de la búsqueda de nuevos modelos refleja, muchas veces, experiencias positivas y felices para las personas que están envueltas en ellas. Otras veces, las experiencias de vida privada terminan en conflicto e insatisfacción, pues, al ser desafiados/as por nuevos modelos culturales, muchas personas prefieren reforzar los modelos tradicionales.
     Infelizmente, para mantener y reforzar los modelos tradicionales, la violencia se hace presente en muchas relaciones. Al sentirse amenazados en su papel de hombres, muchos hombres eligen la agresión física para mantener su identidad. Utilizan el alcohol u otras drogas como disculpa. Esto es lo que nos relata Pablo: “…Yo sentía celos de la otra y me venían estas cosas. Yo, drogándome, lo que me viene a mi cabeza es eso. Que me están traicionando, ¿lo entiende?” . De acuerdo a su discurso, la violencia siempre está unida a las drogas. Las drogas crean el imaginario de la traición, lo cual genera celos y violencia. En otros términos, su violencia se dirige contra las mujeres que se envuelven con él afectivamente y que presentan un motivo de inseguridad para su masculinidad. Los motivos para desarrollar lo imaginario de la traición son diversos: la conversación de la compañera con alguien del trabajo, una llamada telefónica, un recado, una salida no muy clara. Esta actitud limita la libertad de la mujer que pasa al temor y a tener que vigilar todos sus actos con el fin de evitar cualquier conflicto.



Frente a las transformaciones en el ámbito público y privado, ¿qué desean las mujeres al discutir el poder?
     
     Al proponer la discusión sobre el poder, las mujeres están buscando su lugar en la historia/pasado y en el presente. Así, como la participación en su construcción. Este deseo surge de la madurez profesional de la mujer en la esfera pública, y que tiene organizada la esfera privada/doméstica. A partir del último siglo, la mujer ha percibido que no basta ser una profesional competente, pues los modelos que debe seguir son eminentemente masculinos, y la forma cómo se construye estos modelos incluye la cuestión del poder y del saber. La discusión sobre el poder, a partir de la óptica de la mujer, presupone la inclusión de su perspectiva a partir del respeto por la diferencia. Es decir, las mujeres pretenden discutir la forma como se construyen los modelos de comportamiento, con el fin de rever su participación.
     La religión es una de las principales esferas para la construcción de modelos de comportamiento. El saber sobre las mujeres, en la Biblia, por ejemplo, toma un lugar central. En el Nuevo Testamento, por ejemplo, Priscila se destaca como líder comunitaria junto con su marido Áquila y de su amigo Pablo (He 18,2-18). Desgraciadamente, sabemos poco sobre Priscila, sobre su personalidad, su predicación y su nivel de instrucción, etc. A pesar de todo, sabemos que ella existió y que se convirtió en una personalidad tan importante al punto de registrarse su nombre oficialmente. Otro ejemplo es Lidia (He 16,11-15.40). Ella formaba parte de una comunidad que se reunía a la rivera de un río en la ciudad de Filipos. Al oír el mensaje del Evangelio, se dejó bautizar e invitó a Pablo y Timoteo para comer en su casa. El texto bíblico narra que Lidia era comerciante de púrpura, por lo tanto, una mujer financieramente independiente y líder comunitaria, pues acogió a los discípulos cuando huyeron de la prisión. Tampoco sabemos mucho sobre Lidia, sobre su temperamento, la forma como ella lideraba al grupo, sobre su trabajo, etc. Pero, como, Priscila, fue una mujer que destacó en su época.
     En el Antiguo Testamento, hay varias historias que incluyen a mujeres. Opto por hablar sobre Miriam (Ex 15,20-21; Nm 12,1-16), hermana de Moisés y conocida por su canto. El texto de Números, presenta a una Miriam diferente, no a aquella que se comportaba como una mujer tradicional, cantando la victoria de los guerreros, sino como aquella que también hablaba con Dios, aquella que desafió a Moisés, y que, por eso, se la castigó. El castigo aplicado a Miriam lo podemos interpretar como un acto de violencia contra la mujer, pues, el otro hermano de Moisés también participó del cuestionamiento al poder de Moisés y no se lo castigó. Así, la práctica de la violencia contra la mujer a través del castigo físico parece ser común, o sea, el cuerpo de la mujer se vuelve una inscripción de la historia de la violencia contra la mujer, ya que el hombre no es expuesto a tal agresión/inscripción. Parece que las dos imágenes de Miriam no encajan una en la otra. O ella es una mujer tradicional que canta con otras mujeres, o ella es una líder comunitaria. La tradición destaca a la primera.
    Así, es posible percibir, por los ejemplos traídos aquí, que la construcción de la imagen de la mujer como líder comunitaria es mencionada bíblicamente, pero no recibe la misma importancia atribuida al liderazgo masculino. En otros términos, el liderazgo femenino siempre existió, en la historia escrita, no recibió mucha importancia. Este hecho dificulta, a las mujeres de nuestro siglo, la investigación sobre la contribución de aquellas mujeres en nuestra discusión sobre el poder. La construcción histórica de las imágenes de las mujeres siempre destacó el papel de sumisión de estas. Esa construcción aporta, a los hombres, una posición de liderazgo y de poder, vedada, para las mujeres, el acceso a esa misma posición. Por eso, al hablar sobre el poder, contemporáneamente, las mujeres hablan también sobre su construcción discursiva. ¿Cómo comprender el poder? Michel Foucault contribuyó de forma decisiva en esta discusión, relacionando el poder directamente con el saber.

Leia mais sobre o artigo de Karen Bergesch

Poder y violencia a partir de la óptica de la mujer. 

Publicado em RIBLA n. 41

Disponível no site:  http://www.claiweb.org/ribla/ribla41/poder%20y%20violencia.html

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POR UMA LINGUAGEM INTEGRADORA DE MULHERES E HOMENS


Marga Janete Ströher

1. A nossa linguagem
Linguagem é forma de comunicação (verbal e não verbal), de expressar a consciência, a visão de mundo e as experiências na realidade. A linguagem é expressão de determinada consciência, ao mesmo tempo que a consciência é influenciada e formada com a ajuda da linguagem. Com a ajuda da nossa linguagem concebemos o mundo e com a ajuda da linguagem construímos nossa realidade (Senta Trömel-Plötz). A linguagem, como formadora da consciência e construtora da realidade social, é um instrumento de poder. A linguagem na nossa sociedade é caracterizada pelos homens e o exercício do poder é também um privilégio dos homens, conseqüentemente.
Portanto, vivemos numa sociedade onde a linguagem é sexista, no sentido andro-cêntrico, sendo que ela é nada mais do que a expressão da concepção sexista do mundo.
Linguagem é sexista quando ela ignora as mulheres e suas potencialidades, quando ela descreve a mulher somente na dependência e subordinação em relação aos homens, quando ela apresenta as mulheres somente em seus papéis estereotipados e nega os seus interesses e capacidades que ultrapassem este estereótipo, e quando torna as mulheres humilhadas e ridicularizadas através de uma linguagem dominante. (Senta Trömel-Plötz).
Uma linguagem sexista não apenas reflete a realidade sexista, mas também a justifica e mantém, à medida em que ela é formadora de consciência e, com isto, repassa uma visão e concepção sexista do mundo. Contudo, se a linguagem é formadora de consciência e construtora da realidade social, ela não precisa, automaticamente, ser legitimadora do status quo. Ela também pode ser transformada, à medida em que expresse uma nova visão de mundo, onde as mulheres — e outros grupos oprimidos — possam se sentir integradas e valorizadas.
Mudar a linguagem não transforma, automaticamente, a consciência e a mentalidade. A transformação não deve ser apenas formal, ou seja, no uso de uma lin¬guagem integradora ou inclusiva, enquanto que a realidade de opressão continue sendo mantida. Mas a transformação da realidade também inclui uma nova linguagem. Uma nova linguagem não significa apenas feminizada linguagem. A conotação sexista de uma palavra ou linguagem não está no fato dela ser masculina, mas na ideologia sexista que ela carrega, na mensagem sexista que ela grava na consciência.
2. Relatos de experiências em grupos
1º. relato: Discussão sobre Deus Pai e Deus Mãe
Esta discussão aconteceu num grupo de estudo bíblico de uma comunidade, que no momento faz o CRE (Curso Redescoberta do Evangelho) Pai Nosso, Pão Nosso. Num dos temas preparados (fascículo 2) aparece um pequeno texto de Rubem Alves:
Não, não sei se está certo. Queria só perguntar, para saber. Queria saber se tu és gran¬de bastante para abrigar no teu mistério infinito, um nome de mulher... Minha Mãe que enches os céus... O desejo pulsa dentro de mim, como se fosse um coração:
tique/taque,
tique/taque,
isto/aquilo,
isto/aquilo,
pai/mãe,
pai/mãe...
Ó Deus! Quem és tu?
Que nomes moram no teu mistério sem fim?
Ninguém jamais te viu... Tua face nunca a vi. Só conheço as muitas faces da minha saudade. E, se te chamo pelo nome de Pai e pelo nome de Mãe, é porque estes são os nomes da minha nostalgia... Nostalgia por uma mãe: Será que tu aceitas ser invocado pelos nomes da minha espera?
A partir deste texto vai girar a conversa com a pergunta: Deus poderia ser chamado de mãe?
— Acho que Deus pode ser mãe sim, se ele pode ser pai, então também pode ser mãe.
— Eu também acho que ele pode ser chamado de mãe.
— Eu já penso que ele só pode ser pai, porque é pai de Jesus Cristo.
— Não sei, acho que ele poderia, assim, ser visto como mãe, talvez ser chamado de mãe numa oração. Mas fico pensando, acho que Deus não pode ser mãe; Deus é homem, porque senão ele não teria escolhido uma mulher para Jesus nascer.
— Mas a Bíblia diz que Jesus foi concebido pelo Espírito Santo.
— Mas Deus é que é o Espírito.
— Sim, mas se Deus é Espírito, ele não pode ser homem.
— Mas o Espírito é homem, é o Espírito.
(Uma explicação de nossa parte). A palavra espírito é o, masculina, só na nossa língua, o português. Na língua de Jesus, o hebraico, era uma palavra feminina chamada ruach, é a ruach que quer dizer espírito.
— Agora já complicou, espírito feminino conceber um filho na Maria. Não sei mais o que pensar, o que é certo...
— Mas eu acho que não fica tão complicado, se Deus é espírito, ele não é homem nem mulher.
— Eu acho que Deus não é só homem nem só mulher, por isto ele pode ser pai e mãe.
— Mas a gente aprendeu a falar Deus Pai, também Jesus falou assim, ele até ensinou o Pai Nosso como melhor jeito da gente orar. Será que a gente pode ir contra o Evangelho?
Considerações
A imagem de Deus é masculina. Esta imagem é transmitida e mantida pela tradição (a gente aprendeu a falar de Deus Pai) e pelo próprio testemunho bíblico (Jesus falou assim, ele até ensina o Pai Nosso), e por uma linguagem androcêntrica. Deus não precisa ser homem, pai; ele pode ser espírito. Mas a palavra espírito é masculina e, portanto, Deus é homem (masculino). Isto mostra a importância e influência da linguagem na formação da consciência.
Há dificuldades em conceber Deus fora de conceitos antropológicos. Deus só pode ser homem (masculino) para ter necessidade de uma mulher para conceber um filho. Quando é explicado que ruach é feminino, não se sabe mais como continuar a reflexão, pois é difícil que Deus em sua essência seja feminina. No entanto, entre tudo isto aparecem alternativas: Deus pode ser mãe, pode ser mulher (feminina), Deus não é homem nem mulher. Estas alternativas são defendidas quase que exclusivamente pelas mulheres do grupo.
Chama a atenção que neste grupo de uma pequena comunidade da Região Amazônica, formado, em sua maioria, de pessoas semi-analfabelas ou analfabetas, aparecem nesta discussão as questões mais discutidas na Teologia Feminista: a questão da imagem de Deus (patriarcal, no caso), a busca de uma nova imagem de Deus, a tradição patriarcal cristã (a defesa desta tradição pela maioria dos homens — também algumas mulheres), o problema da Bíblia como única fonte de revelação (contém textos patriarcais), o problema cristológico de Jesus como rilho e Deus como Pai (limita a compreensão mais abrangente de Deus), a questão da linguagem androcêntrica (Deus é homem. Se Deus não for homem ele é espírito. Como o espírito é masculino, Deus é masculino. Portanto, Deus é homem).
Para concluir: o monoteísmo masculino é uma ideia religiosa mais tardia. Em todas as manifestações religiosas mais antigas encontramos representações masculinas e femininas da divindade. Como fruto da patriarcalização da sociedade, a representação feminina da divindade vai sendo erradicada do círculo religioso, especialmente na cultura judaico-cristã. Nós hoje, reivindicamos uma linguagem e imagem abrangentes para Deus. Uma linguagem que inclua as expectativas e experiências dos dois sexos. Esta linguagem não pode ser abstraia, pois ela iria neutralizar a imagem patriarcal em vez de nos libertar dela. O que tem surgido como alternativa é o binômio Mãe-Pai, que tem a vantagem de ser concreto. Mas é preciso ter cautela: Pai e Mãe lembra família. A família tem sido o modelo e o lugar da reprodução das relações patriarcais da sociedade. Uma imagem de Pai-Mãe para Deus pode ajudar a reforçar o poder patriarcal, ao invés de libertar as mulheres (veja Rosemary R. Ruether para aprofundar esta questão). Ao usarmos uma imagem de Pai-Mãe para Deus temos que, de antemão, ter uma nova visão da família. Falar em Deus Pai e Mãe não deve significar que uma parte de Deus saia pelo mundo fazendo expe¬riências criativas e a outra fica em casa preparando a sopa gostosa.
A partir do Êxodo podemos também redescobrir Deus fora de conceitos fechados e sem nomes fixos. Deus se revela, se apresenta na ação, no movimento: Eu sou o que sou.
2° relato: A linguagem na Igreja
Fizemos, para um pequeno grupo de mulheres, a seguinte proposta para discussão num dos encontros: Trazer para o encontro resultados de observações feitas no culto, no grupo de estudo bíblico, na Bíblia, nos devocionários, no Cancioneiro (Entre Nós Está, do DERN), no Hinário, no Catecismo ou em quaisquer outros grupos, reuniões ou materiais usados na Igreja. Estas seriam as observações: as mulheres aparecem, somente os homens aparecem, se as mulheres não aparecem, por que isto acontece, a linguagem usada inclui mulheres e homens, quando se fala em homem se pensa em quem tudo? As mulheres tiveram duas semanas de tempo para fazer estas observações até o próximo encontro. Por própria conta elas trouxeram as descobertas anotadas.
Encontro
Pergunta inicial: quando eu falo a palavra homem em quem penso?
— No homem, no macho.
— Pode ser. Mas homem também não é para todos, quando a gente fala em homens não quer dizer toda a humanidade?
— A gente é acostumada a falar e ouvir isto. Mas, agora queremos ver como é na verdade, o que a gente pensa, o que passa pela nossa cabeça quando a gente fala homem. Quando a gente fala que homem é toda a humanidade, será que a gente está junto desta humanidade ou não?
— Não sei. Homem é homem, mas e para ser também humanidade, daí a gente está junto...
— Eu continuo dizendo que homem é homem macho, não tem nada de botar a mulher no meio.
...
E como é que as mulheres aparecem na Igreja?
— As mulheres são responsáveis pelo ensino, pela educação cristã. Mas, a valorização das mulheres na Igreja é uma coisa de pouco tempo, elas acordaram.
Pelas observações que vocês fizeram, as mulheres são incluídas no pensamento da Igreja? Como é no culto, por exemplo?
— Eu percebi que o pastor e a pastora, hoje em dia, falam em irmão e irmã. Tempos atrás eu não me lembro que era assim.
— Uma coisa é quando a gente canta glória a Deus nas maiores alturas e paz entre os homens a quem ele quer bem, então pensei, será só para os homens ou para as mulheres também?
A palavra grega usada para dizer homem (grego é a língua em que o NT foi escrito) é anthropos, e esta palavra não quer dizer homem, mas ser humano, pessoa humana. Ela foi traduzida por homem.
— Nossa, mas quando que a gente iria descobrir isso, só de ler a Bíblia a gente não descobre. Esta parte cantada tá na Bíblia, não é?
Talvez seja difícil para vocês descobrir estas coisas sozinhas. Mas a minha tarefa, como pastora, é ajudar vocês nestas coisas. A gente teve a oportunidade de aprender um pouco de hebraico (língua em que o AT foi escrito) e de grego e isto deve ser usado para ajudar os grupos nas comunidades a se aprofundar nos estudos.
(...)
E nos hinos que nós cantamos, como é que é? (Fizemos análise conjunta de alguns hinos e canções cantadas na paróquia).
— Não aparece quase cantos que falem nas mulheres; a gente vê homem, irmão, pecador, mas é difícil ver um que fale de mulher, de irmã...
E está certo isto? Por que os hinos não falam nas mulheres ou sobre elas?
— Acho que é porque foram os homens que fizeram os hinos, daí eles pensaram só neles.
(...)
E o que nós descobrimos na Bíblia?
— Na Bíblia têm muitas histórias de mulheres.
— É, tem até umas histórias bem tristes, como aquela de Juizes, que conta a história de uma mulher que foi estuprada para proteger o marido hóspede.
— Mas em Juizes também tem a história de Débora que era muito corajosa, que junto com Jael enfrentou e matou aquele governador mau.
— Em Mc 3.31 fala todos que crêem em Deus serão irmão, irmã e mãe de Jesus; a mulher está junto.
— Lá em Génesis, quando fala da criação, diz que o homem e a mulher foram criados à imagem de Deus.
— No começo do livro de 2 João fala em presbítera, que é a senhora eleita.
— Em Atos, quando conta do Pentecostes, fala em filhos e filhas, em servos e servas (At 2.17).
— El Tm 5.1 a gente pode ver que fala em homem idoso, pai, moços e irmãos e em mulheres idosas, mães, moças e irmãs.
— No livro de Provérbios fala da mulher justa.
— E no livro de Filemom fala da irmã Afia. Que outras coisas vocês descobriram?
— Eu vi que na Semente de Esperança fala muito em mulheres, tem uma valo¬rização das mulheres nas meditações.
— Eu fui ler a Nossa Fé — Nossa Vida e lá só fala em pastor, presbítero, irmãos, obreiros, homem, bem-estar dos homens. Nem uma vez eu vi ser falado o nome da mulher.
Agora que nós vimos tudo isso, vamos tentar ver por que as mulheres não aparecem na Igreja.
— Aparecer elas aparecem, porque quem mais trabalha e participa da Igreja são as mulheres.
— É claro, uai. Mas o trabalho da mulher não conta, por isto é que não é falado nela. São os homens que mandam e eles fazem como eles querem.
(...)
Nós descobrimos coisas boas sobre as mulheres, das suas capacidades, da sua participação na Igreja. Também vimos muitas coisas que não são boas para nós, que nós não somos reconhecidas e respeitadas como igualmente irmãs, que no próprio jeito de falar na Igreja já somos excluídas de sermos parte do povo de Deus. O que podemos fazer? Podemos fazer alguma coisa?
— Tem que mudar, né, a mulher tem que aparecer também.
(...)
E quem vai mudar?
— Nós que temos que começar.
Considerações
Foi uma surpresa a quantidade de informações e observações para o encontro. Quando este assunto foi planejado havia certo temor de nossa parte de que deveríamos fazer uma longa reflexão para sensibilizá-las para a importância da linguagem. Isto não se fez necessário, as próprias mulheres fazem as descobertas. Elas ressaltam as mudanças em relação às mulheres, pela linguagem de pastoras e pastores mais recentes, pela valorização das mulheres que está acontecendo na Igreja, inclusive, através do devocionário. Procuram na Bíblia histórias ou textos que evidenciam a participação das mulheres na vida do povo e também argumentos para a mudança. Reconhecem que na Igreja somente os homens mandam e contam e para provar isto consultam os próprios documentos normativos da Igreja (Nossa Fé — Nossa Vida). Por outro lado, também reconhecem que quem efetivamente mais participa e trabalha nas comunidades são as mulheres. Portanto, descobrem que a relação entre homens e mulheres na comunidade é uma relação de poder e quem tem o poder são os homens (os homens que mandam). A discussão do encontro não aparece na íntegra. Mas, é necessário dizer que a conclusão da discussão é que deve haver mudança na linguagem da Igreja: na liturgia, nos cantos, na fala...
3. Propostas práticas
1 — A palavra homem é usada como genérico para a espécie humana, para definir o ser humano, a pessoa humana. No entanto, é exclusiva para os homens; as mulheres não são incluídas neste genérico. A proposta concreta é substituí-la por ser humano, pessoa humana, gente, em todas as falas, discursos, leituras (inclusive leituras bíblicas). Somente quando um texto é claramente sexista não se deve usar uma linguagem inclusiva para esconder a ideologia sexista.
2 — Nos cultos e grupos, as leituras bíblicas devem ser adaptadas a uma linguagem integradora; também a liturgia e os hinos e cantos. Se estamos discutindo uma nova liturgia na nossa Igreja, também é o momento de incluirmos estas propostas numa nova forma litúrgica.
3 — O que normalmente acontece quando se tenta ensaiar uma linguagem inclusiva é colocar o feminino abreviado, entre parênteses ou depois de um traço transversal: todos/as, irmãos(ãs). Mesmo que as mulheres estejam incluídas, elas continuam sendo apêndices dos homens. Proposta: escrever por extenso.
4 — Quando se escreve por extenso: homens e mulheres, os ... e as ... as mulheres continuam sendo marginalizadas, pois vêm sempre em segundo lugar.
5 — O ideal seria alternar o feminino e o masculino: uma vez se fala ou escreve elas e eles, outra vez eles e elas (sem regras fixas). Seria bom primeiro exercitar colocando o feminino em primeiro lugar, para que depois se possa alternar com espontaneidade. Para não repetir sempre elas e eles, eles e elas, uma vez pode se falar em elas e outra em eles. Uma outra forma: os e as confirmandas, as e os confirmandos...
6 — Não se fixar a tradições linguísticas e regras gramaticais, pelo contrário, temos que questioná-las, pois são sexistas. No entanto, é necessário tomar cuidado para não feminizar palavras que não existem no feminino. Precisamos ser criativas e procurar alternativas, mas não podemos ridicularizar as mulheres. Um exemplo para ilustrar: muitas pessoas começam a usar a palavra membra quando ela não existe no português.
7 — Uma linguagem integradora deve fluir de nós, da nossa vida, da nossa crença. Mas, se esta não for a nossa opção, deve acontecer de qualquer forma por uma questão de justiça com a metade ou mais dos membros da nossa Igreja, as mulheres. Esta tarefa não deve ser opcional, que a gente faz se tem vontade. Quando celebramos a Santa Ceia não nos é opcional distribuir o pão e o vinho. Se não forem distribuídos não há Santa Ceia. Uma Igreja que deixa as mulheres — e outros grupos marginais como crianças, pessoas idosas, pessoas portadoras de deficiência física, pessoas de outra cor ou raça — fora de sua perspectiva também não pode pretender ser chamada de Igreja de Jesus Cristo. Está claro que o uso da linguagem inclusiva ainda não implica em atuação concreta pela libertação das mulheres. Mas, é tarefa da Igreja mudar linguagens, símbolos e imagens que impedem a inclusão integral da mulheres na teologia e na vivência comunitária.
4. Bibliografia
BRUNELLI, D. Libertação da Mulher. Um desafio para a Igreja e a Vida Religiosa da América Latina. Rio de Janeiro, Publicações da Conferência dos Religiosos do Brasil, 1988.
RUETHER, R. R. Sexismus und die Rede von Gott. Schritte zu einer anderen Theologie. Gütersloh, Gerd Mohn, 1985.
TRÖMEL—PLÖTZ, S. (Org.) Gewalt durch Sprache. Die Vergewaltigung von Frauen in Gespràchen. Frankfurt a. M., Fischer, 1984.
TRÖMEL-PLÖTZ, S. Frauensprache: Sprache der Verânderung. Frankfurt a. M., Fischer, 1982.





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