sexta-feira, 28 de março de 2014

QUINTO BLOCO

NA CONSTRUÇÃO DE HERMENÊUTICA
E METODOLOGIA FEMINISTAS LUTERANAS

 por Ivoni Richter Reimer

Com base na apresentação 
no Encontro de Red de Luteranas 
São Leopoldo – 2013


“Ler significa reler e compreender; cada um lê com os olhos que tem e interpreta a partir de onde os pés pisam” (BOFF, 1997)



‘VIRADA HERMENÊUTICA’, ou OUTRA VIRADA

Outro filósofo alemão que contribuiu de maneira significativa com os processos hermenêuticos foi Martin Heidegger (1889-1973). Foi professor em Freiburg, onde desenvolveu perspectivas fenomenológicas e hermenêuticas. Na década de 1930, marcada por tensões políticas, envolveu-se com o partido nazista (NSDAP), o que revoltou sua aluna e amante, a filósofa Hannah Arendt. Dando continuidade a filósofos que o antecederam, afirmou que o discurso é uma forma de interpretar e dar sentido à existência, a esse processo dinâmico e complexo do ‘vir-a-ser’ no mundo (Dasein). Assim, a interpretação é uma operação derivada da compreensão do ser. No processo interpretativo existem vários ‘prés’, como o pré-texto, a pré-compreensão. Desta forma, só será possível compreender o que conhecemos, o que fará da experiência um dos referenciais centrais desta hermenêutica existencialista.

Em continuidade crítica ao eixo hermenêutico da pré-compreensão de Heidegger, outro filósofo alemão, Hans-Georg Gadamer (1900-2002), dedica sua vida a questões hermenêuticas. Uma de suas contribuições significativas é observar que não se deve satisfazer ou consolidar simplesmente a pré-compreensão que se tem de algo, do conteúdo de um texto. Importante é colocar esta pré-compreensão também sob crítica, deixando-se interpelar pelo texto, imagem, evento... No círculo hermenêutico que possibilita a compreensão crítico-criativa de algo é imprescindível compreender o todo a partir das partes, e as partes a partir do todo. Nesse sentido, também se contempla a questão do tempo e da distância em relação ao objeto a ser interpretado: na perspectiva do horizonte (hoje, ontem, amanhã; próximo – longínquo – aberto) é possível compreender e conhecer, em parcialidade (fusão de horizontes). Outra importante contribuição de Gadamer é a percepção de que a história interpretativa é também a história dos efeitos obtdos por meio da interpretação realizada (história efeitual de textos e suas interpretações). Interpretações influenciaram a criação de dogmas e doutrinas; reler textos e ‘mexer’ também nessas construções. Lembro do exemplo da transformação sofrida por Maria Madalena: de discípula e apóstola foi transformada em prostituta, protótipo da tentação (‘nova Eva’). Reler as narrativas acerca da Madalena é rever doutrinas e mentalidades.

No fluxo das reflexões críticas acerca da arte e da ciência da interpretação, destacam-se mulheres teólogas e filósofas. Aqui, lembremos de Elisabeth Schüssler Fiorenza (1938 - ), nascida na Romênia, em 1944 ela com seu pai e mãe fugiram dos russos para a Alemanha, onde estudou em escolas públicas; estudou Teologia católica em Würzburg e Münster (doutorado). Foi professora em Notre Dame, em Cambridge e Harvard. Inserida em movimentos sociais e feministas, na luta pelos direitos das mulheres e sua saúde reprodutiva, passa a se dedicar à hermenêutica, inaugurando novo momento nos estudos, desenvolvendo perspectivas feministas. Assim, retoma a herança deixada por ancestrais, entre elas Elisabeth Cady Stanton, e afirma que também textos bíblicos refletem estruturas de dominação patriquiriarcais (nossa herança simultaneamente nos oprime e liberta) que legitimam também dogmaticamente a opressão de mulheres. Desenvolve princípios básicos como a suspeita, a des- e reconstrução e a imaginação histórica como significativos no processo de (re)leitura de textos e tradições para resgatar a memória da história das mulheres. Desenvolve a noção de patriarcado para a análise feminista das relações e mais recentemente acolhe a categoria analítica de gênero. 

Igualmente nascida em meio à guerra, em Berlim, Luise Schottroff
(1934 - ), estudou Teologia protestante em Bonn, Mainz e Göttingen. Foi professora em Mainz e Kassel, onde fundou um Programa de Doutorado Interdisciplinar em Exegese e Hermenêutica Feministas; foi professora visitante em Berkeley. Participou de movimentos sociais pela paz e integridade da criação. Contribuiu com os estudos e pesquisas do Novo Testamento em perspectiva sociohistórica, interpretando os textos em seu contexto histórico com ajuda de estudos literários comparativos. Entre suas mais significativas contribuições está a perspicácia de analisar o sistema de poder com categorias sociohistóricas (patriarcado, escravidão), e compreender textos bíblicos como fruto/produto, reflexo e reação em seu contexto histórico. Para compreender profundamente é necessário destilar/filtrar a força contracultural contida e transmitida nos textos. Um de seus destaques é a perspectiva escatológico-social como força propulsora de mudanças. A história das mulheres deve ser analisada igualmente nesse contexto, o que permitirá captar os processos de opressão e libertação das experiências narradas.

Síntese da ‘virada hermenêutica’
São muitos os esforços para superar modelos interpretativos dominantes (objetivismo, estruturalismo, materialismo...). A busca por alternativas é também um esforço de manter a objetividade reconhecendo a subjetividade. Há significativas rupturas de paradigmas e epistemologias tradicionais dominantes.

Muit@s outr@s estudios@s poderiam ter sido mencionados. Aqui, interessou-nos destacar algumas contribuições em função do que pretendemos continuar elaborando mais adiante, ou seja, em função de contribuições hermenêuticas de libertação em perspectiva feminista luterana. Os estudos não estão concluídos, encontram-se a caminho. Por isso, a inclusão é um distintivo importante.


Nenhum comentário:

Postar um comentário